quinta-feira, agosto 11, 2005

Sistema Solar…

Uns dos dias mais marcantes da minha vida passou-se quando certo dia a avó chega a casa, já bem pela noite dentro, vinda mais uma vez das suas já famosas aventuras, que são publicadas pela DC (Denominadamente Campestre), pois ela era a sócia maioritária da empresa, visto que não havia ninguém mais velho a mandar no estáminé e ninguém ousava fazer-lhe frente. Quando muito, chegavam-lhe de lado. Ainda está para vir alguém para tentar se quer ousar tal façanha. Pffff, de frente… Até só de pensar, mijo-me todo pelas calças abaixo do Paulo. De preferência no Inverno, pois quebra as estalactites de certas partes com formas estranhas.
Nós todos ouvimo-la chegar à caver…, à garagem devido ao ruído do seu bólide. Ela fartou-se do carrinho de rolamentos. Sem o Róbim, não tinha a mesma piada… Aquele carro fazia sempre um barulho singular. Aquela explosão à entrada, acordava qualquer um. Mas acho que devia ser defeito. Pelo menos chegaram a sobrar algumas peças. Sei que a avó mandava vir de uma empresa estrangeira de nome duvidoso. Empresas BW de Gollum ou Gátum Citi. Se a memória não me escapa acho que era isso. Pelo menos, era o símbolo que tinha nos envelopes quando chegavam lá a casa. Sempre que chegava um, ficávamos todos empolgados pois era mais uma peça para montar. Nós chegávamos a perguntar o porquê de vir assim, mas a avó sempre respondia “Já estão a imaginar o que era lamber aqueles selos todos, só para enviar o carro por carta? Para não falar que tinha que construir uma nova caixa de correio. Coitado do carteiro, ter que carregar aquilo tudo na sua pastinha! Se calhar foi por essas e por outras que os carteiros viraram postal, ou como dizem os amaricanos – They’ve gone postal.”. Como sempre, a avó tinha a sua razão.
O pior era o estrago que fazia sempre que entrava em casa. Vocês não estão a imaginar o que é ter churrasco todo o dia devido ao escape do carro. Se bem que para depenar as galinhas dava o seu jeito. E se colocássemos um paiozinho no meio, ai sim é que saíam umas boas espetadas.
Ela entra em casa toda esbaforida, pior que uma parede de cal sem grafites, levando tudo á frente, pisando em tudo e em todos, “Jaime…, Paulo…, Filipe…, Lúcio…, Quimberto…. Onde estão?”
“Estamos aqui de baixo vozinha! É só levantar o seu pé, ficámos colados na sola!”.
Todos estávamos curiosos do porquê de tal agitação. Ainda por cima àquelas horas da noite. A que se deveria?
“Meus ricos meninos. Tenho uma coisa muito importante para vos dizer. Algo que vai alterar a vossa maneira de ser para sempre. Existe um buraco negro no nosso Sistema Solar.”
“Ó vozinha, tem sim que eu acabei de ver… o sistema solar das suas botas tem um buraco…” – Disse o Filipe
“Não é esse, seu parvo!!!” e claro PAFFF com o Tommy-Lee “Hello!!! É o nosso Sistema Solar: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte…, Sol no meio - todos encarreirados a andar ó de volta dele tipo carneirinhos… daaaaa???”
Ao ouvirmos tal notícia, caiu tudo. Mundo, tempo, bolinhas, berlindes… é o que dá ter os bolsos rotos. Se a avó não nos tivesse abanado tanto, eu ainda tinha as bolinhas com que brincava com a Pamela. Ainda me lembro como se fosse hoje. Uma vez até deixei cair o leite por cima de duas prateleiras. A avó bem me dizia, “Olha que brincar enquanto lanchas, não dá muito jeito, ainda vais sujar tudo!”. E avó tinha mesmo razão. O leite mais tarde ou mais cedo acabava por cair do copo. Mas as bolachas, essas, iam todas.
Mas que raio seria um buraco negro? E o que seria o Sistema Solar que a avó tanto resmungava com o Tommy-Lee? Já sabíamos que não era o das botas da avó. A careca do Filipe provava isso mesmo. Mas existiria mais algum? Haveria mais sistemas solares pela casa? Nós íamos perguntar à avozinha, mas mal abrimos a boca, caímos para o chão redondos e inconscientes. Mesmo de chapa. Os tiques nervosos do Filipe já mal se notam, mas eles ainda estão lá. Até o cabelo mudou de cor. Possivelmente devido ao nevoeiro que se encontrava em casa.
Foi então que a avó se lembrou e foi a correr para a garagem. Tinha-se esquecido de desligar o bólide e os monodioxidos estavam a intoxicar-nos.
Devia ser por isso que acordámos no dia a seguir, todos amontoados uns a trincar nos pés dos outros, com uma ressaca pior que as do cházinho ou do que as do fuminho da avó. Só nos lembrávamos de um sonho esquisito, a ver com buracos na sola das botas.
Jaime

quinta-feira, agosto 04, 2005

Róbim, o Gato das Botas

Hoje vou falar-vos de um animal de estimação que a avó teve durante vários anos, o gato de nome Róbim.
Nos primeiros tempos, o gato era branquinho, e como foi confundido com uma gata, chegou a chamar-se Branca de Neve, mas descoberto o equívoco, mudou-se para Róbim, vá-se lá perceber porquê.
Por ser fofo e branquinho como o algodão, a avó achou que ele podia ter muitos usos, nomeadamente de limpeza, até porque não largava pêlo. Passado algum tempo escureceu (assim que o Sol se pôs), até ficar completamente castanho e ressequido. Ela decidiu lavá-lo, colocando-o na máquina de lavar mas como ele arranhava muito o vidro, obrigou-a a optar pelo método manual, e depois de tanto o esfregar com a escova de aço, conseguiu apenas que ele ficasse assim listrado como o conhecem e com os olhos esbugalhados. Eu desconfio que isso dos olhos se deve a ter estado a brincar um dia inteiro sozinho com o Filipe, até porque nos dias que se seguiram, quando se encontravam, o animal afastava-se dele em marcha-ré. A verdade é que o tempo cura tudo, e lá ficaram amigos, e o Róbim até já ia para o seu colo espontâneamente, sendo até difícil removê-lo de lá.
O que ninguém percebeu, foi porque razão o gato foi ficando com as patas meio reviradas para fora, até que a avó não teve outro remédio senão comprar-lhe umas botas ortopédicas para que ele corrigisse o andar.
E isto foi o início do fim: Ele gostou tanto das botitas que se recusava a descalçá-las, mas a avó, devido aos seus antecedentes orientais, não permite que ninguém entre calçado dentro de casa, o que às vezes provocava intoxicações de fragrância ultra-concentrada de queijo no bairro.
Pela teimosia das botas, ou porque ele urinava pelos cantos, ela acabou por expulsá-lo. Era um bedum que não se podia!!! Ela ao início tentou desculpá-lo dizendo que era natural a marcação de território. E que marcação! De minha casa sentia-se o cheiro! Mas isso podia dever-se ao facto de ele me ter urinado também na perna, ou teria sido o Jaime?
A avó um dia até lhe fez um fatinho para tentar reter aquela tendência urinante. Era um fatinho de elastano (licra, para os ignorantes), com cuequinha (que não sei porquê, vestiu por cima das calças), e pôs-lhe até uma toalhita nas costas. Mas a verdadeira “piece de résistence” (chamava-lhe assim, porque acho que tinha mandado vir da frança) era o R estilizado que lhe bordou no peito, e que ele exibia com todo o orgulho.
Eles faziam uma dupla super-engraçada. O duo dinâmico; foi assim que nós passamos a chamar-lhes quando os começamos a ver descer desgovernados a alta velocidade a rua no seu carrinho de rolamentos, a que ela chamava de bat… otomobile (era para dar um ar italiano). Tantas vezes se estampavam contra os muros e ficavam com os ossos partidos, os olhos pendurados e as tripas de fora… hahaha, que saudades… tantas vezes lhe dissemos que os air-bags que tinha não chegavam… tinha que pôr no carro também, e já agora, porque não, meter travões!!! Mas se não quisesse gastar dinheiro aí, ao menos nas descidas que não dissesse ao gato para empurrar, que aquilo ganhava cá uma bolina que obrigava às vezes ao Róbim cravar as unhas nas suas costas para não cair (a sorte é que ela já estava habituada) e mesmo assim o coitado lá ia pendurado a bater com os tintins naqueles paralelos bicudos da estrada (TIM! TIM! TIM! TIM! TIM! TIM! TIM! TIM!) até ficarem esparramados numa parede qualquer.
É claro que a avó lhe tratava sempre dos ferimentos, limpando tudo muito bem com álcool.
Ah… A avó e o Róbim eram grandes amigos, e ainda são… penso que ainda se escrevem até hoje…
E não se preocupem com o Róbim, que segundo sei, está bem, e de saúde, pois ele sempre foi um prodígio (e ainda o é). Ouvi dizer que transformou um jovem plebeu em Marquês, e à conta disso conseguiu um papel num blockbuster de animação onde contracena com um personagem que tem algumas semelhanças com a avozinha, principalmente no verde…
Mas agora penso que percebem de onde veio essa lenda do Gato das Botas? No fundo, é como quase tudo o que rodeia a avó, de uma coisinha fizeram uma lenda mal contada (ou várias), e claro, os boatos encarregam-se do resto.
Sabem como é: Má vizinhança tem muito com que encher a pança. Já dizia a avozinha.
Paulo