terça-feira, setembro 26, 2006

Toda a verdade sobre as aranhas

Preparava-me eu para matar a aranhita de estimação do Jaime (uma tarântula velha e desdentada), já com o martelo na mão apontando à sua carinhosa cabecinha peluda, quando chega a Pam e grita: “Iiiiiiiiii, não faças isso!” Ao que eu obviamente perguntei: “Porquê?” Ao que ela respondeu, enquanto me abraçava, e espremia a cara contra os melões: “Então não sabes meu querido?” Fiquei com a cara pouco amassada porque os melões estavam moles (convém dizer que ela trazia dois melões com ela), e então, ainda um pouco sufocado lutando para trazer o nariz à “tona” dos frutos, respondi: “nnnnhnnhanpernnquenh?” (tradução: não, porquê?). Dando a sua gargalhada pateta ao largar-me, disse: “Porque são sinal de dinheiro… quer dizer que trazem fortuna.”, e foi-se embora sem mais, nem porquê. Quanto a mim, fiquei pensativo e cheio de perguntas na cabeça: “Onde fora a Pamela buscar tão grandes melões?”, “Porque há ondas no mar?”, “Porque é que a avozinha é tão esperta e os netos dela tão burros?” e finalmente “Quem matou o Kennedy?”. Estremeci e finalmente sobressaltei-me quando ouço a voz da avó gritando: “Não fui eu!!! Já disse que estava apenas a fazer pipocas para o Osvaldo”. “Hã?”, disse eu, tentando imaginar como ouvira ela os meus pensamentos. Recompondo-me, fiz as outras perguntas que me enchiam a mente: “Avó, porque é que o Jaime faz chichi na cama? E porque é que o Filipe gosta? Porque é que o Berto é careca? O que são satélites geostacionários? É verdade que Plutão pode não ser um planeta? Os extra-terrestres existem? A série Perdidos vai ter um fim decente ou vai ser como os X-Files? Porque é que dizem que as aranhas trazem fortuna se o Homem-Aranha é pobre que nem um sapato roto e e sem sola?”. Fez-silêncio por uns momentos, e depois:
“A mim, meus netos!” – Gritou ela com a sua voz metálica dentro da armadura cibernética ultra-avançada que a tornava no reconhecido: Invencível Homem-de-Ferro. Sem mais, e correndo que nem estúpidos, tropeçando nas carpetes, esbarrando nas paredes e escorregando na própria baba, finalmente estatelamo-nos à sua frente ofegantes, cheios de nódoas negras, mas ávidos por conhecimento.
“Vou esclarecer apenas uma questão hoje: O Homem-Aranha não é pobre como um sapato roto e sem sola, é pobre como um chinelo roto e sem sola, ok? E se o é, é porque é parvo! Com uma mulher daquelas… tsc, tsc… ai se fosse eu, não que eu goste de mulheres…“
“E o Jaime? Ele tem uma aranha?” Interrompi eu. Ela olhou-me curiosa e depois para todos nós. “Todos aqueles que duvidam que o Jaime é parvo levantem o braço…”.
Não é que nem ele levantou? Em compensação levantou a Pamela, mas ela… bem… vocês sabem não é? Dahhhh!
Resumindo as aranhas trazem dinheiro a quem não é parvo como Jaime e o Homem-Aranha, assim falou a avozinha. So let it be written, so let it be done. Ai que belo César dava ela, penso eu, principalmente quando a vejo coçar a barbichinha.
Paulo

terça-feira, setembro 19, 2006

Martelo

Parece que as férias tinham acabado. Lá estávamos nós, outra vez, a chatear a avó para comprar os livros novos, lancheiras novas, cadernos novos, … enfim, todas aquelas coisas que fazem a mochila pesar por ai uns 50 almudes. Digamos que tirávamos sempre partido das más situações, pois a gente divertia-se a ver qual de nós aguentava mais tempo com a mochila nas costas, até ouvir o tal CRACK. Confesso desde já que era assim um bocadito para o doloroso, incomodo até. Tipo uma pontadita nas costas. Nada que a avó não ajeitasse.
- Vó, vó, … o Paulo perdeu outra vez.
- Prontos…, calma…, eu vou já meninos. Ao vermos aproximar tal sombra imponente, sendo segurada pela mão da avó, já nos tremia os joelhos. E ainda por cima não era connosco, desta vez. Para nosso descanso, vimos que para variar não era o Tommy Lee, Ufa, pensávamos nós. Mas em vez disso a avó segurava um daqueles martelos mágicos que tanto tinha chateado um tal de Thora para lhe arranjar um. Foi um bocado difícil de convencê-lo a dar o martelo à avó, mas ela lá lhe deu volta.
- “Vais provar aqui da receita da avó e vais ver como te convenço.”.
- “Pelos Deuses! Isto é bem melhor que o nosso néctar. Anda, vamos. Vou-te então dar o meu martelo”. Lá foram então fazer o ritual da passagem do martelo. “Passo para as tuas mãos o Mijounele. É preciso ter um espírito agraciado pelos Deuses para o poderes manejar.”
E puf… quão misteriosamente aparecera assim sumira em pleno ar. Eis que voltava a avó com o seu novo brinquedo.
- “Então avó?, o Thora já foi?”
- “Parece que sim, sumiu-se. Ele disse que podia ficar com o dele que depois mandava fazer outro. Dá pelo nome de Mijounele.”
Ficamos todos a rirmo-nos e a olhar uns para os outros devido ao nome tão caricato de tal objecto. Mas a avó lá explicou o que lhe havia sido dito, e a partir daí tudo fazia muito mais sentido.
A avó, entretanto, aproximava-se cada vez mais do Paulo com o Mijounele.
- Oh avó, o que é que vai fazer com o martelo? Perguntou o Paulo, já todo cagado de medo pois a urina tinha acabado.
- Não tenhas medo…, vai correr tudo bem. É remédio caseiro. Deita-te aí com as costas viradas para cima.A avó ergue o martelo no ar, diz umas palavras esquisitas, e ZAAASSS. Em cheio nas costas do Paulo. Nesse mesmo momento, trovões encheram o céu. Havia luz por todo o lado e o martelo brilhava como se consumido por algo. O Paulo lá se consegue levantar com umas lagrimazitas nos olhos, pronto para mais uma brincadeira.
Jaime

sexta-feira, setembro 01, 2006

Calor

Calor. Estava um daqueles dias intensos em casa da avó. Ele tinha-se instalado sem pedir licença nem desculpas pelos estragos que ia fazendo. A avó encontrava-se sentada na sua poltrona, como tantas outras vezes. Mas desta pairava um cheiro pela casa que não se podia. É que nem dá para descrever como este era mesmo nauseabundo. Eu acho que com o trauma e o medo da recordação o cérebro preferiu desligar essa memória. Ou isso, ou foi de levar com o Tommy Lee ainda com uma meia agarrada quando disse: “fo#$%..., aqui assim não se pode estar. Parece que calcou um bicho morto avó!”. “Não deves falar assim Jaime. Eu não te ensinei esses modos. Só por causa das mer#*?# já não jantas. Ainda por cima deu-me tanto trabalho pisar aquele ser vivo para trazer para casa! Enfim, mais sobra.”. Confirmava-se, tinha tirado as meias. Só se viam os seus pés já carcomidos de velhos, bolorentos, cheios de calos com um líquido estranho dentro a fazer chlock, chlock, e para não falar das já famosas unhas. Umas coisas aguçadas de construção arqueada, armas letais nas mãos de quem sabe. Elas tinham sido, e eram responsáveis por vários retalhamentos de animais de caça (“era o que tinha mais à mão meninos”, era o que a avó dizia com uma voz estranha ainda a espumar de raiva), bem como nos tempos livres de fazer esculturas para vender aos vizinhos ou a quem de interesse. Mas lá reparamos que isto tudo era feito com sapiência. Já tinha tudo um propósito. Em redor dos seus pés movia-se uma nuvem preta como o carvão, fazia um barulho estranho mas ao mesmo tempo familiar aos nossos ouvidos. Nisto, a nuvem espalhou-se mais um bocado e eis que reparamos que esta era composta por moscas voadoras. Eram pequenas, eram gordas, havia de todo o feitio e gosto. Ainda assim a sua finalidade estava-nos a escapar.
- Para onde é que estão a olhar com essa cara?... Háaa…, devem estar indagados com o que fazem estas moscas todas aqui! Pois bem meus netinhos, é uma boa maneira de poder refrescar os pés. E vocês sabem que eu sou muito amiga dos animais. Assim também aproveitam e vão petiscando. Ficam gordinhas e apetitosas, e ZÁS…, caldo com elas.
Ficamos todos a olhar uns para os outros com nojo daquela iguaria, mas enfim, afinal a mão da avó para a cozinha era bem cheia, e a outra segurava no Tommy Lee.
Jaime