quarta-feira, março 22, 2006

O Bébé Cometa

Episódio I (A ameaça fantástica)

No início havia o imenso… vazio… silêncio…
Depois surgiram muitas coisas, muitas mesmo, imensas coisas, acreditem se vos disser que não as conseguiriam contar…
E depois num raio de luz, mais brilhante que uma estrela, completamente imaculada, veio… a avó, e nada nunca mais foi como antes…
Foi assim que comecei a minha primeira composição na primeira classe, e note-se que ainda não sabia escrever, mas se soubesse, era o que escreveria de certeza absoluta. Afinal “avozinha” foi a primeira palavra que me saiu dos lábios quando aprendi a falar aos 8 anos quando ela me derramou água a ferver em cima dos… bem, vocês sabem onde. Na realidade aquilo foi mais um berro, mas como tudo o que a avó faz, tinha um propósito. A partir daí nunca mais me calei.
Mas hoje, quero dar os parabéns à avozinha porque nasceu a sua primeira bisneta. Filha do nosso mmmmm suportável primo Filipe.
Quando ela a viu a primeira vez, notou-se logo o seu orgulho e carinho:
- Tirem-me essa coisa horrível e peganhenta da frente… - E PAFFF deu-lhe logo com o Tommy Lee para se ir habituando…
Já a Pamela ficou um pouco triste pois gostava que fosse rapaz para lhe dar de mamar, e vice-versa. Não percebi porque dizia ela isso, mas pronto, ela sempre fora muito dada, embora muito burriiiiiiiiiiiiiiiiiinhaaa, e como tal, ninguém ligava muito ao que dizia…
Eu e os outros netos, adorámos a nossa nova afilhada, linda, linda, linda, ainda mais sendo filha do bicho asqueroso que é o pai. Secretamente - Shhhhhh - (nas rádios e tv) perguntamo-nos senão terá sido trocada na maternidade. Isto porque pode haver aí um casal infeliz com um pequeno monstro nos braços e a nós não nos faz diferença trocar, pois já estamos habituados. Afinal, família é família, ou se gosta de todos ou só de alguns…
A avó refeita do choque emocional, decidiu mais tarde voltar visitar a sua bisneta, (coração de manteiga) dizia ela que precisava de mão de obra lá em casa… sempre com desculpas esfarrapadas… Mas não deixa de ser verdade, que desde que 300 dos netos pediram asilo a Cuba para terem melhores condições de vida, que as coisas ficaram difíceis nas minas de carvão que a avó mantinha na garagem do prédio. Aconselhou mesmo ao Jaime fazer uma daquelas fertilizações que dão gémeos quíntuplos e ele fez, o estúpido… nele mesmo… a única coisa que conseguiu foi que lhe crescesse a peida e as mamas… a Pamela até o olha de lado com inveja…
Voltando à bisneta e à avó…
A avó depois de olhar a piquena durante algum tempo com curiosidade e desconfiança, pegou nela, levantou-a no ar… e …ficamos em suspenso… alguém diminuiu outra vez a gravidade da sala. A avó rugiu, a gravidade voltou ao normal e TUNK! a míuda caiu de tola no chão…
A avó apressou-se a acudi-la, levando-a com ela por segundos que pareceram intermináveis, até que por fim regressou… íamos todos entrar em suspenso de novo quando a avó grita:
- Se algum camelo volta a mexer na m$%da do interruptor eu parto-o todo!
Acho que todos percebemos a mensagem e então, com os pés bem assentes no chão, ela desembrulhou a criança do cobertor, levantou-a no ar e lá estava ela cheia de mercurocromilianos, e betadinianos e fita-cola enrolada a disfarçar a grande mossa. A profecia cumpria-se finalmente… nunca se vira nada assim…
- Finalmente nasceu a criança que vai trazer a unidade e esperançaà força. Ou isso, ou vai destruir o universo… de qualquer das formas declaro aqui que tem a minha bênção e a minha protecção!
Mal posso esperar. Quando a avozinha a iniciar nos alcoolidianos e nas artes mágicas dos fuminhos e outras que mais é que vai ser…
Para terminar este glorioso dia, cantamos em coro o akuna-matata, e se os sinais não enganam, aquela forma como ambas se babam uma em cima da outra como companheiras de longa data, pressagia no mínimo uma relação especial. Quem sabe finalmente uma substituta para o Róbim? Pelo fedor dos seus “puns” dá para entender desde já que ela é um prodígio…
Parabéns… à nova mamã e ao novo papá…

Paulo

Episódio II (A guerra dos caldeirónes)

No hospital já estavam fartos de nós. Era sempre um corre, corre de enfermeiras quando passávamos pela maternidade, os bebés choravam ao desafio, coisa que não se aguentava, isto até pressentirem a avó, pois ficavam todos em sentido como se a prestar vassalagem a tal entidade. Era engraçado ver os bebés todos de pé, nas suas pequenitas perninhas. O Tommy Lee, afinal, sempre metia respeito. Nunca vi a despacharem uma pessoa tão depressa como naquele dia. Tinha sido dado alta à piquena. Finalmente ela ia conhecer a já famosa casa da avó. Todos estávamos ansiosos para ver a sua reacção, afinal tudo era de esperar.
Lá chegámos e como sempre a avó tinha aproveitado para tirar uma sonequita. Devia estar assim há algum tempo, pois a poça de baba já chegava aos seus calcanhares.
- Oh vó, chegamos com a sua bisneta. Dizia o Filipe, abanando-a para acordá-la. Tremendo erro. CATATUMMM. O Tommy Lee mexeu-se como por magia, acertando em cheio no Filipe. Este chorou como uma menina, tinha-lhe acertado nas partes íntimas. Mesmo nas orelhas. Para nosso espanto a Filipe júnior começou a rir feito uma perdida. Parece que tinha gostado. Então a avó repartiu o castigo pelos restantes netos. Digamos que foi uma pândega daquelas. Já se chorava lágrimas de crocodilo, pois nem o Perigo foi poupado. Eu tinha-o encontrado a subir pela sanita, num daqueles dias de comida mexicana. Não sei que raio aquela mistela teria mas algo sempre vinha ao de cima. Eram os resultados práticos das poçõ… tst, dos cozinhados da avó.
- Anda minha bisneta querida, vamos ver os cantos à casa, e traz o Perigo contigo. E vocês mexam-se, façam qualquer coisa.
E lá foram elas casa adentro, arrastando o animal pela cauda. Notava-se que a avó e a sua bisneta já se conseguiam entender muito bem. Devia ser por não terem dentes. A comunicação às vezes era parecida, babavam-se muito uma à outra. Afinal, eram tão parecidas, tão parecidas, que já nem chupeta queria, tinha-se mudado de vez para as côdeas de broa. Não foi preciso muita persistência para convencer a avó a conseguir tal feito.
- Toma, tens aqui a minha antiga chupeta. Tem um bocado dos últimos cogumelos que comi e umas larvitas, mas não faz mal. Precisas de vitaminas.
Passado pouco tempo chegaram as duas. A sua bisneta até já trazia um par de sapatos novos. Não sei porquê, mas algo neles pareceu-me familiar, e via-se que eram mesmo fresquinhos, acabados de fazer. Ainda deixavam rasto no chão.
- O Perigo perdeu-se? Perguntei curioso. O que é certo é que ele deve ter-se ido embora com inveja da bebé, pois desde aí nunca mais o vi… foi traumático.
- Nãaao, Jaime. Digamos que ele anda por aí! Já agora… , deste lume ao caldeirão?
- Não avó, nem sabia que queria realizar os vuduns!
Nisto, só vejo a avó a atirar-me a sua piquena, é claro que a minha reacção foi logo de fugir a três pés, mas como a Pamela já não estava em casa já só tinha dois, por isso decidi que era melhor apanhar o bebé antes que este sujasse o chão todo. Entretanto a avó pega no seu distribuidor de dor (o Tommy Lee) e deixa-o dançar a lambada sobre o meu corpo. Já era tarde demais quando reparei que tudo não passou de uma distracção para me apanhar a jeito.
- Raisparta, agora tenho que ser eu a acendê-lo. Oh Paulo, passa-me aí os fósforos.
E não é que ele dá uma valente passa, sugando aquelas cabecinhas vermelhinhas!
- Seu palhaço, assim não funciona. Tens que acendê-los primeiro. Dizia a avó, que já nem o conseguia corrigir, tamanha a estupidez que fez. Então ele acende os fósforos, dá a respectiva passa e… - fo#%$-se que isto queima. Ao gritar pelas suas goelas a fora, escorrega e bate em cheio com os dentes no caldeirão de ferro da avó. E assim fez-se lume.
- Agora que está tudo como deve de ser, vamos lá fazer o ritual de protecção que esta moça merece (os lábios da avó expressaram um sorriso saudoso. O caldeirão já não via carne há muito tempo). Filipe aproxima-te. Diz então como se vai chamar a tua filhinha.
- Carolina, vai-se chamar, Carolina.
- Que raio de nome é esse, Carolina, vai-se chamar, Carolina? PAFT. Uma chapada na careca do Filipe. Mais uns cabelos por crescer. Vai ficar só Carolina, e não se fala mais no assunto. E tenho dito!
Então, sem mais demoras nem contrariedades, a avó pega no calcanhar da Carolina, vai-se chamar Carolina, mas que por fim ficou só Carolina, mergulha-a dentro do caldeirão e fumos tutti-frutti saíram a voar como se por almas estivessem possuídos. Ao mesmo tempo, ouvem-se uns berros e gritos efeminados.
- Para com essas mariquices Filipe! Já todos fizemos o mesmo, e passadas umas semanas não dói nada. Se bem que o Paulo ficou um bocado chamuscado. Mas nada que o carinho e a mesa privada da Pamela não resolvam.
- Ups,… já me esquecia do que estava a fazer.
A avó puxa então pela Carolina, e esta sai com um sorriso enternecedor. Iluminava a sala toda. Baba, choro e ranho, escorriam pelo Filipe abaixo. A mulher do Filipe ficou sem palavras.
- Oh mulher, vê se te acalmas! Olha que não tenho outra muda de roupa.
E foi assim que mais um membro da grande família ficou interligado a nós. O ritual de protecção tinha terminado. Esta criatura ficava agora sob a protecção da avó, sob a sua alçada, perto do Tommy Lee.

Jaime
Em breve o Episódio III...

segunda-feira, março 13, 2006

Velhos Tempos...

A avozinha era sem dúvida uma referência para nós, era um poço de sabedoria com imensos sapos e todo o tipo de lixo, mas que tratado até dava para aproveitar.
Com os seus relatos aprendíamos muito, se não fosse mais nada ao menos divertíamo-nos com seus jogos, como ver quem cuspia caroços de cerejas em decomposição para mais longe, e outras coisas assim.
- Ó vóooooo, estou cheio de fome! – Começou um dia o Jaime a berrar.
- Fome? Eu posso contar-vos o que é passar fome…
E assim, mais um dia de Inverno gelado à volta da fogueira e de janelas abertas, começa ela a contar-nos um pouco da sua vida no tempo da Grande Fome…
Nos tempos bicudos da minha infância, murmurava ela, todos tentávamos sobreviver (para nós, netos era um exercício mental visualizar a avó na sua infância).
Vivíamos na mesma barraca com os porcos (quando eles deixavam), dormíamos num colchão cheio de buracos, que pela falta de espaço também era o refúgio dos ratos, o que obrigava de noite a dormir com um olho aberto.
Certa vez, com a fome, desmaiei e acordei com uma orelha roída, os estupores tiveram um jantar melhor que o meu. Para me vingar, sempre que apanhava um roía-lhe também as orelhas, foram as minhas melhores refeições… Velhos tempos. Dizia ela de olhos revirados, babando e bocejando.
De dia levantava o colchão e encostava-o à parede, assim, aquele espaço entre ele e parede era onde eu me aliviava com umas folhinhas de figueira, e estava feito. Sim, meus netinhos, não havia jornal como agora…
Essa altura era de muita fome. Por causa da fome muita gente morria de hostioporóse, pois assaltavam as sacristias para comer as hóstias, e o padre era obrigado a envenená-las. Um dia esqueceu-se que o tinha feito, e morreu também durante a missa. Sem ele lá, o povo comeu até os bancos da igreja com o desespero…
Como as unhas das mãos crescem tão depressa, costumavam ser o nosso pequeno-almoço misturadas com a terra do dia anterior. Por vezes esperávamos encontrar esquilos e perseguíamo-los para apanhar as nozes que eles escondiam, ou na pior das hipóteses, as que deitavam fora por serem impróprias para consumo…
Nesses anos houve muitas mortes, morreu o Sr.Valdemar de colester-oil. Trabalhava numa oficina, o coitado, escorregou no óleo e caiu inanimado. Os colegas aproveitaram e cozinharam-no mesmo quando descobriram que ele não estava morto, foi só deitar-lhe sal em cima…
A Sra. Micas parece que foi coisa da Cândida Dias (acho que a comeu enquanto faziam crochet), mas essa nunca conheci, ah e o Sr. Ramiro que andava sempre de trombas e acabou por morrer de trombose, pensaram que ele era um elefante e mataram-no para lhe tirar o marfim. Claro que houve muitos outros pobres coitados que acabaram por sucumbir ás misérias daqueles tempos infernais.
As únicas alegrias dessa altura, eram as minhas bonecas (uma pedrita no meio de um pano) que me ajudavam a ultrapassar tempos difíceis, tipo quando os meninos queriam roubar-me as chiclas. O meu pai que trabalhava nas grandes cidades a fazer estradas, sempre que nos vinha visitar trazia muitas bonecas e chiclas, estas que não eram mais que bocados de alcatrão que ele conseguia surripiar…
Ah, que tempos… Dizia a avozinha bocejando e acomodando-se na sua poltrona de eleição que mantinha aprovisionada com restos de comida bolorenta e com larvas de moscas.
Velhos tempos… BonzzzzZZZZzz TempozzzzZZzzz, RRROOOONNNCCCCC…
Filipe