sexta-feira, maio 26, 2006

Fondues

Para a avó tudo tinha que ter o seu grau de desafio, e o fondue não era excepção. Dizia ela:
- Qual a piada em simplesmente convidar as pessoas para uma comidinha com um nome tão sofisticado, se no fim, apenas temos que a cozinhar?
Pois é, se alguma vez fossem convidados para o seu fondue perceberiam o que ela queria dizer. Aprendera com um famoso Chef, o Capitão Gaffe, alguém que conhecera nas suas viagens pelo jardim municipal, que existiam diferentes tipos de apresentar este manjar. De uma forma simples, estas poderiam ser classificadas de Iniciado, Intermédio e Avançado, embora em cada um deles pudessem haver ramificações ao gosto do anfitrião.
Para a avó, o Iniciado era a aquilo que todos conhecem, a carnita já cortada e temperada nos alguidares, espetar-lhes as forquilhas e está a afogá-la no óleo a ferver. Não tinha muita piada, segundo ela, excepto quando alguém entornava o líquido fervente nos tintins, ou pegava fogo ao manusear as lamparinas. Claro que ela armadilhava muitas vezes os utensílios… sempre a mesma brincalhona…
O que a avó mais apresentava, tipo quando recebia lá o Nicolau, o Zeus ou a Rainha da Prússia e as suas comitivas era o Intermédio, que consistia em soltar diversos tipos de animais numa herdade com 20.000.000.000.000 de metros quadrados e cada um tinha que caçar o que pretendesse comer, arranjar temperar e no final, sim, podia aproximar-se do caldeirão comum para cozinhar e comer. Quem nada apanhasse, comia no cu…rral. Era a uma espécie de castigo.
O Avançado, tinha também a parte da caça, mas cada um trazia os seus animais de casa, como previamente tivesse sido sorteado pela avó. Depois as criaturas eram cozinhadas vivas, o que tornava tudo mais complicado, pois espetar uma forquilha, por exemplo numa vaca e levá-la ainda a espernear e a dizer “mu-mu-mu” a cozinhar, não era para qualquer um não… Mas não havia sofrimento dos animais, era quase como a tourada, os touros de morte e as experiências em animais para a melhoria de vida humana, quer a nível de entretenimento ou saúde. Os animais até agradecem por poderem ser úteis… e a avó sempre tivera visão e sensibilidade para estas coisas…
Um dia, houve um caramelo que caçou a Pamela e queria comê-la viva mesmo ali na moita onde a encontrara. Que palerma, nem era dia de Fondue Avançado e já lhe tinha até arrancado a roupa toda. Se não chegássemos a tempo lá se ia a rapariga… o marmelo devia estar pronto para lhe espetar o ferro, ai se não estava…
Paulo

terça-feira, maio 02, 2006

As Receitas da Avó

A minha mãe pediu-me certo dia para ir à avó para ela me dar a receita. Como já puderam constatar, ela tinha muitas.
Quando cheguei, ela estava com o seu chapéu preto e pontiagudo de cozinheira a preparar a sopa para a ceia no seu grande caldeirão de ferro, a mandar grandes gargalhadas histéricas - hihihihihihihihihihihihihi - (ela ficava sempre muito feliz quando cozinhava) enquanto o mexia com a sua grande colher de pau, de onde era exalado aquele típico cheiro putrefacto e o vapor saía em nuvens esverdeadas seguidas dos blop-blops das enormes bolhas a rebentarem à superfície. Deixem-me que vos diga que ela usava estranhos condimentos.
Cheguei-me então a ela e pedi-lhe a receita. Ela olhou-me com ar desconfiado e foi buscar o Tommy-Lee. Bateu-me com ele até ficar sem fôlego, e mesmo assim ainda levantou o braço a tremer para me tentar acertar mais algumas, mas teve que desistir de cansaço. Recomposta perguntou-me: “Que fizeste tu hoje para a tua mãe pedir para te dar a receita? Foi muito grave! Foi, foi… Eu só lhe dava a receita quando ela assaltava bancos, ou empurrava velhotas para os penhascos!”. Ainda matutei durante algum tempo, mas tive que encolher os ombros pois não me ocorria nada. Por fim, ela matutou também e olhando-me de cima abaixo riu-se e disse: “eh, desculpa lá! Não devia ser esta a receita…”. Pegou então num jarro de dois litros despejou vinho branco, cerveja, séménepe e açúcar e mexeu com a carcomida colher de pau, com bichinhos e tudo. Virou-se para mim e disse: “Bebe lá homenzinho!”
E lá levei eu a jarra aos lábios e comecei com pequenos goles, mas ela empurra-me a jarra obrigando-me a beber tudo de uma vez: “força!” Quase me afoguei, no entanto uma vez mais, sobrevivi. Sangue da avó sobrevive a tudo. “Somos como as baratas: pequenos, atarracados, feios e toda a gente se quer ver livre de nós…”, dizia ela muita vez.
“Gostaste da receita? Todos os da nossa família devem beber um assim ao fazerem 18 anos, e tu para um franganote não te saíste nada mal.”
“Mas, ic, óbó, ic, só tenho 13 ic, blurrrrrrrrrpppp”.
“Feeewwww” disse ela torcendo o nariz “mas arrotas como um marmanjo podre de 30, bem daqui depreendo que também não é a receita da ganz… mmm contra a gangrena… deixa-me cá pensar… para já é melhor tratar-te dessa buba terrível”. Dizendo isto, volta-se para mim, diz-me: “Vai à janela e chama o Gregório”. A cambalear cheguei à janela e chamei: “Ó Gregó…”. E mal tinha começado a gritar o nome. Entra um gajo feito Speedy Gonzalez, agarra-me, espeta-me uns dedos compridos e finos na garganta, faz-me uma cocigueira na epiglote e pronto foi “Gregó…rlrlrlrlrlrlrlrlrlr lrlrlrlrlrlrrlraum larharaurgr ah” e quando pensei que até a minha tripa ia ser expulsa pela boca, tudo termina com um fedor nojento. Expeli coisas que nem me lembrava de ter comido. Tinha até bonecos da playmóbil desaparecidos há vários meses.
Quando voltei, para perto dela, estava a ler o seu grande livro de receitas, aquele com a capa vermelha com uma estrela dourada, escrito por um tal de Santo Ananás, talvez à procura da receita que a mamã queria.
Entretanto ela começou a revirar os olhos e a cabeça (ainda gostava de saber como é que ela fazia tal coisa) e leu em voz alta. Qual não foi o meu espanto quando percebi que aquilo estava numa língua estrangeira qualquer, e ouvia sempre um assobio no final de cada frase. Entretanto lembrei-me que a receita que vinha buscar não era de culinária, mas sim a receita do médico que a mamã se tinha esquecido lá. Olhei para cima da mesa onde ela estava e decidi ir-me embora para não incomodar mais a avozinha com a minha burrice. Ouvi uns ruídos estranhos ao fechar a porta, mas não liguei, pois como já disse, avó divertia-se muito quando estava a cozinhar.
Quando cheguei à rua estava a chover sapos e tinha-se aberto um portal do inferno para a terra por onde entravam demónios muito ruins… estranho, não acham? Foi uma confusão terrível. Tiveram que chamar os Gostbostas para safar a situação, foi, foi, mas ao menos a música divertia: tan, taranranran, gostbostas! Hehehe. Na altura era uma música que andava sempre na boca do povo, que era o vizinho da frente, isto, até lhe partirem os dentes, claro…Mas pronto, uma vez que comecei a falar de receitas, para a próxima dir-vos-ei como a avó fazia os seus fondues…

Paulo