segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Carnaval

Segundo a avó, o Carnaval, tinha raízes, se é que se pode usar esta expressão, no Paganismo. Isto porque se tinha desenvolvido na altura do ano em que se fazia a Paga da Carne ao talhante, há muitos anos atrás. Quando alguém não pagava, era assombrado durante uma noite inteira pelos restantes vizinhos mascarados com as peles de animais e outras máscaras que de alguma forma representavam os animais na vida e na morte, dando azo a todo o tipo de disfarces macabros.
Mas como se mudam os tempos e se inventam verdades, o que é certo é que com a abertura de estabelecimentos próprios para o comércio de animais vivos, mortos e assim-assim, tais como os talhos, os bordéis e os clubes de futebol, a tradição ameaçava cair em desuso, não fosse a populaça ter de tal forma enraizada (lá estou eu com os tubérculos outra vez) esta festa carnal, que passou a ser instituída como um simples baile de máscaras, apesar de em alguns países, para manter a dita tradição, ainda se matam pessoas para ajustes de contas. Lá estão os insaciáveis açougueiros sempre desejosos de fazer o gosto à faca ou à pistola ou ao taco de basebol, ou… percebem, não é?
Com a avozinha até à Terça Gorda era sempre a enfardar com o Tommy Lee, pôr o Rei Momo a arder, fazer as tropelias que começam de manhã com ela a atirar farinha e ovos nos netos, e a correr desvairada deixando armadilhas e pregando partidas. Nós como resposta colocamos-lhe umas bombinhas nas cuecas… É Carnaval… ninguém leva a mal…
Era correr atrás do rabo, que normalmente era da Pamela, e depois mandá-la caçar gambuzinos com um saco. Todos os anos caía na mesma e lá ía perguntando pela rua onde os havia.
Mas um Carnaval que nos há-de ficar na memória, foi quando o Jaime estava a vestir o seu traje de cowboy e lhe disseram que a Calamity Jane era uma mulher. Ficou triste, mas resolutamente fez questão de procurar um traje apenas usado por homens e com o qual se identificasse, assim, depois de muito procurar decidiu-se por se mascarar de Drag Queen, ou como nós lhe passamos a chamar, Arrasta-te Rainha.
O Filipe vestiu-se de Hulk, utilizando basicamente a caca que lhe escorria do nariz para espalhar no corpo todo ficando com um aspecto verdalengo e luzidio.
O Berto que andava um bocado tristonho, e de trombas, acabou por se disfarçar de homem-elefante.
Eu comecei por tirar a máscara que usava durante o ano e fiquei um perfeito homem das cavernas, mas depois mudei de ideias e, utilizei os restos de tinta cinzenta que tinha lá por casa, e pintei-me todo dos pés à cabeça e fiquei um autêntico Michael Jackson, a avó até se ofereceu para me arrancar o nariz com o Tommy Lee. Ganhei o prémio de grupo, pois com os 30 netos que se juntaram a mim com as suas roupas de domingo todas esfarrapadas e os seus ares escanzelados fizemos uma bela versão do thriller…
A Pamela estava indecisa entre o seu traje de cabedal ou o de Wonder Woman. Por fim decidiu-se por ir disfarçada de batata.
A avozinha surpreendeu-nos a todos, pois disfarçou-se tão bem que não a vimos durante a noite toda. Descobrimos depois que se tinha vestido de Mulher Invisível. Espectacular! Só não percebo como não ganhou o 1º prémio…
Graças a esta ideia da vozita, decidi para esta noite, irmos de Quarteto Fantástico e vai ser até bastante fácil e económico:
Como avó ainda está para fora, a Pamela toma o lugar dela de Mulher Invisível, O Filipe pode ir de Coisa, afinal já tenho as pedras pintadas de cor-de-laranja e só estou indeciso entre usar cola, ou encostá-lo à parede e atirá-las até ficarem bem espetadinhas no corpo todo.
O Jaime pode ir de Sr. Fantástico (homem elástico), é só usar o espremedor de roupa antigo da avó para o esticar.
Eu serei o Tocha-Humana. Já tenho o bidão de gasolina e os fósforos para me pôr a arder quando a hora chegar…
Paulo

sábado, fevereiro 18, 2006

Fada dos Dentes

Como todas as crianças, nós também passamos aqueles famosos tempos chamados de muda de dentes. Não, não é o que estão a pensar. Não andávamos a trocar dentes uns com os outros, nem a experimentar a dentadura postiça que a avó costuma usar quando quer comer algo mais duro, como couratos por exemplo. Também nos foi dado a conhecer a Fada dos Dentes, como a toda a gente, mas de uma maneira bem diferente. Estávamos nós a brincar muito sossegadamente no pátio da avó, àquele famoso jogo do atira o calhau, enquanto ela estava muito ocupada de volta do seu caldeirão, donde saíam uns fumos esverdeados. Era para ver quem ficava com mais fracturas expostas. Nisto, eu atiro um calhau com tal precisão que bate numa janela, faz ricochete no chão, acerta no pé do Filipe, ainda vai acertar na mão direita do Berto (lá tem que ser com a esquerda daqui em diante) e finalmente bate num dente do Paulo. Este ficou ali estatelado no chão como um pássaro abatido. O Paulo foi logo a correr para a avó, para ver se ainda havia super cola 13.
- Oh avóoo, o Jaime, o Filipe e o Berto partiram-me um dente.
Splat, em cheio com a fuça no caldeirão da avó. Mais um dente a voar. A avó tinha pregado uma rasteira ao Paulo.
- Já vos disse que não quero correrias dentro de casa. Então vocês partiram o dente ao meu Paulinho? Ainda por cima a cola acabou, estive a mascar o último bocado. Todos para aqui em filinha.
Já sabíamos o que nos ia calhar, não valia a pena discutir. Quem tem o cajado na mão, geralmente é quem ganha. A faca e o queijo nem tiveram hipóteses. Não vale a pena entrar em detalhes, visto estes serem negros e cheios de Hema-toma. O raio da Hema é que nunca aparecia, tínhamos que ficar com o toma. Digamos só que o resultado foi que cada um de nós ficou também sem um dente.
- Agora ninguém se ri do Paulo, a não ser eu, e não se esqueçam de antes de dormir colocar os dentes debaixo da almofada.
- E porquê avó? Perguntei eu muito incrédulo a segurar sobre o dente derramado, com medo de represálias.
- Não me questiones. Arre, … Ide lá lavar as mãos pois o jantar está na mesa.
Comemos,… não, engolimos depressa só de pensar no que a avó nos tinha dito. Lá fomos então para a cama ansiosos com o que nos esperava. Estávamos muito bem a dormir, e nisto ouço um barulho. Ainda tentei acordar os outros, mas sem sucesso. O Paulo estava tão agarradinho ao Filipe que nem queria saber. Só me davam pontapés e chapadas para voltar a dormir. Nisto reparei num vulto que se aproximava das nossas almofadas.
- Quem vem lá? Só ouvi um suspiro a dizer bem alto.
- Está mas é calado antes que leves na cabeça. Volta a dormir pois a Fada dos Dentes está aqui para fazer uma troca.
Eu pensei que fosse o serviço de emigração, que vinha buscar um dos netos da avó. Um tal de João Doa, mas nisto reparo que essa entidade tinha uma coisa na mão em forma de varinha. Tentei aproximar-me, arrastando-me pela cama, e vi que era parecido com a varinha da avó. O cheiro a chocolate era inconfundível.
- Mas é a a…!!!
Nem o pensamento tinha acabado de se formular na minha cabeça, e nisto a cama acabou e o meu corpo cai estatelado no chão. Ainda tentei rodar a cabeça, para ver quem estava a meus pés, mas os meus sentidos deixaram-me só. Acordámos todos de manhã, eu no chão, e virei-me logo para o Paulo e para o Filipe.
- Esteve aqui alguém ontem à noite. Uma tal de Fada dos Dentes! E tinha a varinha da avó.
Nisto o Paulo interrompe.
- Ei, vejam o que temos debaixo das almofadas. É um dos dobrões da avó.
- Pois é meus netinhos, parece que a Fada dos Dentes veio cá a casa ontem à noite.
- Bute brincar lá fora para ver quem fica com mais dinheiro. Disse o Filipe, já a pegar nas pedrinhas.
- Vamos, eu também ajudo. Disse a avó com um sorriso sem dentes.
Jaime

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Dia dos Namorados (o regresso da espinha)

Já vos contei muitas coisas dos meus tempos com a avó e de todo o tipo de coisas que graças a ela me enriqueceram enquanto desperdício orgânico. Por exemplo, lembram-se do teste de matemática? Lembram-se de vos ter falado de uma espinha viscosa e amarelenta de tamanho descomunal que me crescia na ponta do nariz? Se bem se lembram, a Filipinha estava a chegar e podia ser um pouco chato se lhe estourasse aquele vulcão radioactivo na cara. Se não se lembram, é melhor irem ler…
Seja como for, era dia 14 de Fevereiro, e não era essa a minha ideia de prenda para o Dia dos Namorados…
Ora bem, depois da explicação de matemática a avó olhou-me com o olho vesgo e perguntou: Afinal quem és tu? Ao que eu estupidificado respondo: Sou o Paulo, avó! Ao que ela retorquiu: Não és nada! E eu contraponho: Sou, Sou! Mas ela nada convencida diz: Não és não! Até que me passei e gritei: Sooooouuuuuu! Ao que ela diz: Não me grites! e PAF! Aiiiiiiiii! (galo a crescer na tola) é (tento eu falar) PAFFF! uma (continuo a tentar) PAFF! petuberância! PAFFF! que PAFF! me PAFF! cresceu PAFF! no PAFF! nariz… PAFF! … PAFF! ? PAFF! !?! PAFF! !!!!????? Desculpa, pensei que ias dizer mais alguma coisa… Então parou e olhando-me nos olhos disse: Ómessa! Não é que és mesmo tu? PAFF! Aieeeeeeee! Esta foi porque me apeteceu… estás mais bonito assim… parecias o Euclínio… mmmmmm Enrolou ela entre os dedos aquele pêlo que lhe crescia como uma trança de Rapunzel para fora da narina esquerda. Passou por mim, coçou depois a cabeça, ouvi um PLIM, e quando retornou, trazia um balde numa mão e o Tommy Lee na outra. Pediu-me para segurar o balde em frente à cara, enquanto assumiu a sua posição de jogador de basebol e berrou como uma maluca: SHE SWINGS… AND… (PAAAFFFFF e depois SPLOFT) SHE SCORES!! Saltou e correu à volta da mesa da sala, acertando-me diversos PAFFS que me faziam soltar igual número de AIIIS, numa estranha mistura de basebol e hóquei. Depois de desmaiar até deixava de doer. Felizmente o Jaime estava lá para me despertar, atirando-me baldes de água à cara, lançando, por vezes, o balde também, o que me deixava de novo inconsciente.
Quando terminaram, eu estava outro. A minha mãe seria incapaz de me reconhecer… Parecia o Chereque de tão inchado, só que em vez de verde, estava vermelho e negro (como o livro do estendal).
Como qualquer tratamento teve os seus efeitos secundários, que foram a queda de dentes, alguns hematomas (que eram mais hematumbas), olhos negros, uma dor de cabeça que durou três semanas, uma perna partida, para não falar do irritante assobio nos ouvidos (de que ainda sou acometido de vez em quando) e muita porcaria… Não foi nada mau. Há tratamentos piores…
Por fim a avó vendo que a época negra tinha vindo afectar os seus netos, pôs mãos à obra, neste caso no caldeirão, e com as suas artes mágicas, e raízes de mandrakes, fez várias pulseiras: 10 para os netos do norte, 10 para os netos do sul, 10 para os mais velhos e 10 para os mais novos, 10 para… bem uma para cada neto, e por fim, no maior dos segredos, fez uma corrente para todas ligar, e à perna da mesa as amarrar. Distribuiu-as por todos nós, ao que o Berto na sua maneira parva decide perguntar:
- Onde é que eu a meto? – E a avó arregalando os olhos responde: - METE-A NO…
Desde essa altura que o rapaz nunca mais andou direito e responde a todas as questões: “mete no…”, e depois vai-se embora todo retorcido a dizer coisas como: “Ai-ai-ai a minha preciosssaaa…”
Mas há males que quanto mais chove mais se lhe arrima, já dizia a avozinha e muito bem, pois a Filipinha quando me foi visitar ao hospital e me viu naquele estado, disse que me perdoava por não lhe ter comprado uma prenda, e disse-me também, a propósito de coisas da adolescência que ouvira a mãe a dizer ao seu irmão para não esgalhar os pessegueiros pois podia ficar cego… percebi logo o que ela quis dizer, pois além de estragar as árvores, comer pêssegos verdes, e talvez, mesmo cheios de químicos pode fazer muito mal… o melhor é lavar-se tudo muito bem…
São males terríveis essas coisas da adolescência. Bem piores que a clamídia, gonorreia e a tricomoníase (causada por protozoários móveis), já dizia a avozinha… e não tinha dentes…

Paulo