quinta-feira, dezembro 28, 2006

Um dia no treino

- Há muitos, muitos anos atrás, quando os continentes ainda estavam todos unidos, …
- Oh avó, isso dos continentes não é quando os velhotes fazem chichi nas calças? Perguntei eu baralhado.
- Não estúpido! Disse o Paulo. Isso é incontinência, seu melão! Continentes é aquele gesto que os tropinhas fazem quando se cruzam uns com os outros.
- Cambada de otários. Retorquiu o Filipe. Então vocês não vêm que é o nome daquele supermercado gigante!
- Seus jumentos! A avó impunha o seu respeito no meio da discórdia. Estão todos errados e não me apetece perder tempo a explicar-vos, se não o caldo ainda se queima. Como estava a dizer, já no muito antigamente quando eu comecei os treinos com o Bruce, não era nada fácil, não. Andar de socas naquela altura não era muito bom presságio. Cada golpe que eu treinava lá ia a soca para o ar. TOC, na testa do Ranger. “- Poças, … que isto aqui parece um Texas!!!” Por isso é que ele fugiu e seguiu a carreira do cinema, os adereços lá doíam bem menos. Depois a outra voava em direcção do Bruce. Ele bem se movia como um tigre, com aqueles reflexos apurados, mas não adiantava de nada. Primeiro tinha que se lamber todo e arranjar as unhas antes de poder fazer qualquer coisa. Típico dos felinos. Depois que não se queixasse. Um certo dia, estava eu no meu aquecimento matinal a esfregar umas pedras, para poder aquecer o leite, mas não dava, a caneca partia-se sempre. Deve ser melhor esfregar uma na outra para ver se o resultado é diferente, pensava eu para os meus botões enquanto dava um pontapé na pedra em demonstração de raiva. Nesse momento uma soca saltou-me do pé indo acertar mesmo em cheio nos ditos cujos do Bruce. Só se ouviu um TUNC no chão. Alguma coisa tinha caído, e não era a minha soca, pois foi-lhe ensinada o efeito boomerang. Vai e volta. Ou seja. Acertou no Bruce, foi e voltou a acertar-lhe outra vez. Só se ouviu uns berros meio efeminados, IAAA… a partir daí sempre que fazia aqueles movimentos coloridos dava esses berros esquisitos. Parece que até ficou famoso por isso e tudo.
- Oh avó… (som de risinhos abafados), o que é isso de ditos cujos? Perguntei eu, feito inocente, a tentar esconder o sorriso de entre os lábios. O Paulo e o Filipe também já estavam todos encharcados. É claro que é impossível enganar a avozinha seja no que for.
- O que é que perguntas-te Jaiminho querido? Então o menino quer saber o que são, é? Ela calçou as suas socas de treino, fez uma pirueta encarpada sobrevoando a minha cabeça, com um mortal invertido para trás e uma cambalhota na diagonal. Claro que isto tudo em câmara lenta para nós apreciarmos melhor. Estranho, era que até do fundo surgia uma música típica das cenas de acção.
- Oh Paulo, desliga lá o rádio que está a distrair-me. Disse a avozinha já meia baralhada. Bem, onde é que eu ia mesmo?
- Estava a acabar de contar a sua aventura avó. Digo eu muito rapidamente para ver se a avó não dava por nada.
- Ah…, já me lembro. Obrigado Jaiminho querido. Estava a dizer… Ah! Pronto! Foi assim que acabou o treino.
Ficamos todos na mesma, sem perceber nada. A avó lá saiu para ir tratar do manjar e nisto… IAAA, a soca da avó tinha-me acertado em cheio nos ditos cujos.
Jaime

sábado, dezembro 09, 2006

Perguntinhas

Perguntei um dia à avozinha porque o céu era azul, e ela pegou no Tommy Lee e CATATUMBAAAAA deu-me com ele na tola. Num outro dia perguntei à avozinha porque havia ondas no mar e ela sorriu para mim e CATRAPIMBAAAA, deu-me com o Tommy Lee de novo na pinha. Mais tarde, nesse mesmo dia, perguntei à avozinha como se formavam as nuvens no céu, ela encolheu os ombros, virou as costas, mas sem que me apercebesse rodopiou rapidamente sobre si mesma, gingou o Tommy Lee e KAPOOOOOOOOWWWWWW acertou-me com tanta força na focinheira, assim tipo entre os dois buraquinhos do nariz, que me arremessou ao longo de todo o corredor de sua casa. O sangue jorrou durante duas ou três horas, e ainda bem que fiquei inconsciente, senão desmaiava – Não suporto sangue.
Percebi então que deviam ser perguntas demasiado pessoais, e eu como criança estúpida que era, tal qual adulto estúpido que me tornei, continuava a importuná-la. Decidi pegar numa chibata e vergastar-me para ser purificado dos meus pecados, entretanto apareceu o Jaime e decidi vergastá-lo antes a ele – senti-me imediatamente melhor, não só porque me senti perdoado, mas porque dei sentido à existência fútil daquele desperdício humano. Agora toda a gente que conheço o vergasta quando tem problemas de consciência. Por exemplo, o Berto não perde uma oportunidade de o fazer pagar pelos seus pecados, apanha-o de costas e ZUUUMBAAA que lá vai disto. Como se não bastasse, usa-o sempre como bode expiatório. Um dia, apanhado em flagrante, até disse à avozinha: Quem estava a espiar as suas conversas era o Jaime, aquele bode! O que eu acho injusto para os bodes, coitadinhos…
Adiante, outro dia qualquer, perguntei a avó como se tinham formado os continentes e oceanos, e claro, estava-se mesmo a ver, uma vez que já tinha aprendido a lição, usei o Jaime como escudo, e o resultado foi tão surpreendente que me senti mal, e lá está, tive que o vergastar para aplacar os meus remorsos. Por falar em aplacar, descobri mais tarde que a formação dos continentes e oceanos tinha qualquer coisa relacionada com as placas tectónicas, o que fez sentido, pois a avó deu cá uma pancada na tectónica do Jaime que ele ficou com um buraco maior que um oceano. Maior até que aquela coisa do filme… é abismal…

Paulo

quarta-feira, novembro 08, 2006

Como perdeu a avó o último dente

Vou contar-vos como perdi o meu último dente…, começou a avozinha por dizer: …naquela altura trabalhava numa mansão como mulher-a-dias, pois nalguns dias era mulher e noutros nem por isso – era dingo ou tartaruga. Ás vezes tratavam-me também por coelhinha, mas isso era porque tinha apenas os dois dentes da frente.
Foi lá que eu conheci o André Son, o motorista oriental que tinha um ar de engatatão. O rapaz andava sempre atrás de mim, e uma certa noite, seguiu-me até à estação do metro. Eu até andava sempre de óculos escuros o que me fazia andar sempre a chocar contra as coisas… manias de juventude…
- iiiiiiiiiiiIIIIIIIIIII… Sr. André Son… - gritei eu quando o vi.
- O meu nome é Teo… - Dizendo isto tirou a máscara, num “mix” de Missão Impossível com Scooby-Doo e pude ver, ele afinal era o famoso Teodoseo Gago Tunas, e já sabia que tipo de joguinhos devia fazer para chegar ao meu pobre coração de manteiga.
- Fica quieta ou estás sujeita a YAZAAAA! Golpe de karateiiiiii... E olha que eu... sou mau! Sou mesmo muito mau. Então começou a saltitar pelas paredes, tipo bola de pingue-pongue, mas eu… nada, mantive-me imperturbável a fitá-lo. Na verdade eu começava a ficar um bocadinho aborrecida com todos aqueles saltos. Eu tinha marcação na manicure e cabeleireiro, e estava ali aquele fedelho fazer estranhas danças de acasalamento. Ahhhh, mas era tão bonito…
- Olha, não queres vir comigo a um sítio primeiro? É que tenho compromissos, e é uma chatice fazer as pessoas esperar. – Ele olhou-me surpreso, mas aceitou.
Assim fomos ambos tratar as unhas e fazer uma permanente. Sentadinhos com o algodão entre os dedos dos pés, as rodelas de pepino nos olhos e os rolos na cabeça, continuamos o nosso animado flirt…
- Assim que tirarmos estas coisas, tiro-te também as medidas…
- Ó meu querido! Já sou um bocadinho entradota para ti… - Apesar de ter dito isto, não pude deixar de sentir-me lisonjeada e a enrubescer. Um jovem a querer tirar-me as medidas… ai-ai, podia ser o meu dia de sorte, ou o dele… e pisquei-lhe o olho à descaradona. Ora, não tinha nada a perder. Decidi ir mais longe e passei a língua nos lábios de uma forma lasciva e oooooopa, saltou-me o penúltimo dente da frente e arrancou-lhe a orelha esquerda. Apesar de tudo continuou bastante atractivo. Eu no entanto, quando abria a boca ficava com um ar apatetado, mas acho que acima de tudo era amor que exalava dos meus poros, tanto que até cheirava mal. No meio disto tudo, o que importa é que rapaz ficou um bocado chateado por lhe ter arrancado a orelhita. Ainda o tentei confortar dizendo-lhe que se lhe faltasse a vista podia sempre usar lentes, mas não adiantou, ele estava arrasado e quis-me bater quando saímos. Eu até deixava, se não estivéssemos no meio da rua. Ainda me lembro, o meu fato amarelo de látex refulgia levemente debaixo das pálidas luzes da lua. Ah que bela figura que eu tinha naqueles dias (tinha-me saído num bolicao).
- Vou ter que ser mauzinho contigo, e não penses que me importa que tenhas sido treinada pelo Bruce Lee e pelo Ranger do Texas. Vou-te fazer a folha…
Tão querido ele era. Queria escrever-me um poema. Mas eu estava num dilema, e o mocito parecia uma matraca e não me deixava pensar direito. Eu que costumava brincar com o cajado quando estava excitada, tal era o meu estado de nervos que comecei a rodá-lo na minha mão, até parecer uma ventoinha. O resultado foi que ele saltou-me da mão, e PIMBAAAAA, acertou na testa do rapazito. Quando me preparo para ir ajudá-lo a levantar-se, PIMBAAAA. Não é que o raio do Tommy Lee tinha sido feito na Austrália? Voltou tipo boomerang, e lá está, como disse há pouco, PIMBAAAAAA, levei com ele na focinheira. Levantei-me a custo e apeteceu-me parti-lo para fazer lenha, mas derreada, decidi que era melhor chamar um táxi, para nos levar para casa. Então assobiei. Se soubesse não o tinha feito, pois quando o fiz, o último dente saiu disparado como uma bala e arrancou a orelha esquerda ao coitado do Teo…
Acho que foi a partir daí que nunca mais nos demos bem. Que se há-de fazer? Mal-entendidos e azares dão nestas coisas… Podíamos ter conversado, e resolvido as coisas, mas ele é tão cabeça dura… Bolas! Afinal eu também perdi dois dentes…
Paulo

terça-feira, outubro 17, 2006

Arca do Num é

Era um daqueles dias em que não arranjávamos nada para brincar. Ao Paulo não se podia dizer nada pois ainda se queixava das costas, o Filipe andava outra vez com o pensamento no Robim. Andávamos então pela casa à procura de algo novo (pelo menos até partir ou até a avó nos chegar a mão no pêlo!) quando passamos pelo quarto da avó e reparamos que a sua arca estava entreaberta. É claro que fomos imediatamente coscuvilhar feito beatas. Das primeiras coisas a ressaltar à vista era o seu disfarce de Ba…, nem consegui acabar, o Filipe deu-me um pontapé nas canelas e ao baixar-me para expressar a minha dor (reacção mais que normal para quem sofre uma agressão do género) dou uma cabeçada mesmo em cheio na mona do Paulo. PAFT, ficou estatelado no chão. Estalos após pontapés lá recuperou.
- Possa, dói-me o corpo todo! O que se passou?
- Nada, nada, … tão de repente estavas aqui em cima como foste parar aí a baixo, e nós aqui a olhar para ti feito parvos! Até pensamos que podias estar a fazer algum tipo de ritual ou isso! Dissemos nós.
Bem, … por debaixo desses trajes carnavalescos, estavam uns livros muito esquisitos. Pareciam que estavam polvilhados a açúcar. É claro que tivemos que tirar a prova dos nove, mas como só estávamos três e faltavam seis, noves fora três dos seis que faltavam sobravam três, e ficamos outra vez com seis, …, hhhmmm…, é isso, é melhor usar o método do nariz. É infalível. Lá cheiramos os pozinhos do livro como a avó nos tinha ensinado, “… é isso mesmo netinhos, quero uma linha perfeitinha!”, e reparamos que afinal era só o cházinho da avó. Um saco deve ter rebentado pois estava por todo o lado. Às tantas era por isso que a avó e a Pamela saíam muitas vezes do quarto a rirem-se desalmadamente.
Nisto ouvi um murmúrio. Mal se percebiam as suas palavras de tão pianinho que vinha. “… aquiiiii …” (pronunciado muito ao de leve. Como se tivesse sido escrito com um lápis número 9H daquelas da Faber-Castell. Ou seja, levezinho!)
- Ui, vocês ouviram isto? Queres ver que o livro está a falar connosco? Estava perplexo comigo mesmo de como isso seria possível.
- Não pá! Já estás é a ouvir coisas. Eu cá não ouvi nada! Vi foi passar um elefante cor-de-rosa, mas acho que se tinha borrado pois levava uma coisa castanha atrás! O Paulo já mandava os seus bitaites.
- Então deve ter sido ele que calcou a Sereia? Contrapôs o Filipe.
- Vocês já estão é pior do que eu! Estava zangado por ninguém me ligar nenhum. Decidi então investigar. Pus-me à escuta e reparei que o misterioso som vinha era do fundo do baú. Tst…, o livro a falar para mim. Não me digas que também acreditas no Pai Natal, Jaime! … Foi aí que fiquei pensativo e com medo, … muito medo, … era mas é melhor seguir em frente. Comecei a tirar a tralha da avó e nisto reparo que no fundo da arca, mesmo lá no fundinho, fundinho de todo, lá no horizonte, vi um homem todo maltrapilho com uma barba enorme, que lhe cobria o corpo todo (dissemos homem pois foi o que depreendemos pelo facto de ter barba. Pode ser um factor irrelevante se pensarmos naquelas senhoras que mostram mais masculinidade que certos indivíduos masculinos).
- Hei palhaços, venham ver isto! Ficaram todos estupefactos com o achado. Olá, como é que te chamas?
No meio daquela confusão toda, pó pelo ar, barba por todo o lado, lá se percebeu qualquer coisa.
- Num é. Disse o homem da arca.
- Mas o que é que num é? Perguntou o Filipe, ansioso. Diz lá mas é qual é o teu nome?
- Num éee.
- Oooohhhh. Estamos aqui a brincar ou como é caral#$*? Disse eu já furioso das ventas. Qual é o teu nome? Estás a armar-te em espertalhão é?
- Nuuum éee.
O Paulo, farto daquilo tudo, já sem vontade de aturar o gajo, arrancou-me o livro das mãos e ZÁS, atirou-o acertando-lhe mesmo na cabeça, o Filipe pensando que era um jogo pegou em alguns peluches que estavam por lá perdidos, começou a atirar também e eu juntei-me a eles, a atirar girafas, ursos, camelos, cobras, elefantes, pandas, ornitorrincos (é um género de mamíferos monotrématos da Austrália com um focinho semelhante ao bico de um pato), etc.Entretanto chegou a Pamela e atirou a pomba! E TUNK, fechamos a arca, e encolhendo os ombros fomos embora.

Jaime

terça-feira, setembro 26, 2006

Toda a verdade sobre as aranhas

Preparava-me eu para matar a aranhita de estimação do Jaime (uma tarântula velha e desdentada), já com o martelo na mão apontando à sua carinhosa cabecinha peluda, quando chega a Pam e grita: “Iiiiiiiiii, não faças isso!” Ao que eu obviamente perguntei: “Porquê?” Ao que ela respondeu, enquanto me abraçava, e espremia a cara contra os melões: “Então não sabes meu querido?” Fiquei com a cara pouco amassada porque os melões estavam moles (convém dizer que ela trazia dois melões com ela), e então, ainda um pouco sufocado lutando para trazer o nariz à “tona” dos frutos, respondi: “nnnnhnnhanpernnquenh?” (tradução: não, porquê?). Dando a sua gargalhada pateta ao largar-me, disse: “Porque são sinal de dinheiro… quer dizer que trazem fortuna.”, e foi-se embora sem mais, nem porquê. Quanto a mim, fiquei pensativo e cheio de perguntas na cabeça: “Onde fora a Pamela buscar tão grandes melões?”, “Porque há ondas no mar?”, “Porque é que a avozinha é tão esperta e os netos dela tão burros?” e finalmente “Quem matou o Kennedy?”. Estremeci e finalmente sobressaltei-me quando ouço a voz da avó gritando: “Não fui eu!!! Já disse que estava apenas a fazer pipocas para o Osvaldo”. “Hã?”, disse eu, tentando imaginar como ouvira ela os meus pensamentos. Recompondo-me, fiz as outras perguntas que me enchiam a mente: “Avó, porque é que o Jaime faz chichi na cama? E porque é que o Filipe gosta? Porque é que o Berto é careca? O que são satélites geostacionários? É verdade que Plutão pode não ser um planeta? Os extra-terrestres existem? A série Perdidos vai ter um fim decente ou vai ser como os X-Files? Porque é que dizem que as aranhas trazem fortuna se o Homem-Aranha é pobre que nem um sapato roto e e sem sola?”. Fez-silêncio por uns momentos, e depois:
“A mim, meus netos!” – Gritou ela com a sua voz metálica dentro da armadura cibernética ultra-avançada que a tornava no reconhecido: Invencível Homem-de-Ferro. Sem mais, e correndo que nem estúpidos, tropeçando nas carpetes, esbarrando nas paredes e escorregando na própria baba, finalmente estatelamo-nos à sua frente ofegantes, cheios de nódoas negras, mas ávidos por conhecimento.
“Vou esclarecer apenas uma questão hoje: O Homem-Aranha não é pobre como um sapato roto e sem sola, é pobre como um chinelo roto e sem sola, ok? E se o é, é porque é parvo! Com uma mulher daquelas… tsc, tsc… ai se fosse eu, não que eu goste de mulheres…“
“E o Jaime? Ele tem uma aranha?” Interrompi eu. Ela olhou-me curiosa e depois para todos nós. “Todos aqueles que duvidam que o Jaime é parvo levantem o braço…”.
Não é que nem ele levantou? Em compensação levantou a Pamela, mas ela… bem… vocês sabem não é? Dahhhh!
Resumindo as aranhas trazem dinheiro a quem não é parvo como Jaime e o Homem-Aranha, assim falou a avozinha. So let it be written, so let it be done. Ai que belo César dava ela, penso eu, principalmente quando a vejo coçar a barbichinha.
Paulo

terça-feira, setembro 19, 2006

Martelo

Parece que as férias tinham acabado. Lá estávamos nós, outra vez, a chatear a avó para comprar os livros novos, lancheiras novas, cadernos novos, … enfim, todas aquelas coisas que fazem a mochila pesar por ai uns 50 almudes. Digamos que tirávamos sempre partido das más situações, pois a gente divertia-se a ver qual de nós aguentava mais tempo com a mochila nas costas, até ouvir o tal CRACK. Confesso desde já que era assim um bocadito para o doloroso, incomodo até. Tipo uma pontadita nas costas. Nada que a avó não ajeitasse.
- Vó, vó, … o Paulo perdeu outra vez.
- Prontos…, calma…, eu vou já meninos. Ao vermos aproximar tal sombra imponente, sendo segurada pela mão da avó, já nos tremia os joelhos. E ainda por cima não era connosco, desta vez. Para nosso descanso, vimos que para variar não era o Tommy Lee, Ufa, pensávamos nós. Mas em vez disso a avó segurava um daqueles martelos mágicos que tanto tinha chateado um tal de Thora para lhe arranjar um. Foi um bocado difícil de convencê-lo a dar o martelo à avó, mas ela lá lhe deu volta.
- “Vais provar aqui da receita da avó e vais ver como te convenço.”.
- “Pelos Deuses! Isto é bem melhor que o nosso néctar. Anda, vamos. Vou-te então dar o meu martelo”. Lá foram então fazer o ritual da passagem do martelo. “Passo para as tuas mãos o Mijounele. É preciso ter um espírito agraciado pelos Deuses para o poderes manejar.”
E puf… quão misteriosamente aparecera assim sumira em pleno ar. Eis que voltava a avó com o seu novo brinquedo.
- “Então avó?, o Thora já foi?”
- “Parece que sim, sumiu-se. Ele disse que podia ficar com o dele que depois mandava fazer outro. Dá pelo nome de Mijounele.”
Ficamos todos a rirmo-nos e a olhar uns para os outros devido ao nome tão caricato de tal objecto. Mas a avó lá explicou o que lhe havia sido dito, e a partir daí tudo fazia muito mais sentido.
A avó, entretanto, aproximava-se cada vez mais do Paulo com o Mijounele.
- Oh avó, o que é que vai fazer com o martelo? Perguntou o Paulo, já todo cagado de medo pois a urina tinha acabado.
- Não tenhas medo…, vai correr tudo bem. É remédio caseiro. Deita-te aí com as costas viradas para cima.A avó ergue o martelo no ar, diz umas palavras esquisitas, e ZAAASSS. Em cheio nas costas do Paulo. Nesse mesmo momento, trovões encheram o céu. Havia luz por todo o lado e o martelo brilhava como se consumido por algo. O Paulo lá se consegue levantar com umas lagrimazitas nos olhos, pronto para mais uma brincadeira.
Jaime

sexta-feira, setembro 01, 2006

Calor

Calor. Estava um daqueles dias intensos em casa da avó. Ele tinha-se instalado sem pedir licença nem desculpas pelos estragos que ia fazendo. A avó encontrava-se sentada na sua poltrona, como tantas outras vezes. Mas desta pairava um cheiro pela casa que não se podia. É que nem dá para descrever como este era mesmo nauseabundo. Eu acho que com o trauma e o medo da recordação o cérebro preferiu desligar essa memória. Ou isso, ou foi de levar com o Tommy Lee ainda com uma meia agarrada quando disse: “fo#$%..., aqui assim não se pode estar. Parece que calcou um bicho morto avó!”. “Não deves falar assim Jaime. Eu não te ensinei esses modos. Só por causa das mer#*?# já não jantas. Ainda por cima deu-me tanto trabalho pisar aquele ser vivo para trazer para casa! Enfim, mais sobra.”. Confirmava-se, tinha tirado as meias. Só se viam os seus pés já carcomidos de velhos, bolorentos, cheios de calos com um líquido estranho dentro a fazer chlock, chlock, e para não falar das já famosas unhas. Umas coisas aguçadas de construção arqueada, armas letais nas mãos de quem sabe. Elas tinham sido, e eram responsáveis por vários retalhamentos de animais de caça (“era o que tinha mais à mão meninos”, era o que a avó dizia com uma voz estranha ainda a espumar de raiva), bem como nos tempos livres de fazer esculturas para vender aos vizinhos ou a quem de interesse. Mas lá reparamos que isto tudo era feito com sapiência. Já tinha tudo um propósito. Em redor dos seus pés movia-se uma nuvem preta como o carvão, fazia um barulho estranho mas ao mesmo tempo familiar aos nossos ouvidos. Nisto, a nuvem espalhou-se mais um bocado e eis que reparamos que esta era composta por moscas voadoras. Eram pequenas, eram gordas, havia de todo o feitio e gosto. Ainda assim a sua finalidade estava-nos a escapar.
- Para onde é que estão a olhar com essa cara?... Háaa…, devem estar indagados com o que fazem estas moscas todas aqui! Pois bem meus netinhos, é uma boa maneira de poder refrescar os pés. E vocês sabem que eu sou muito amiga dos animais. Assim também aproveitam e vão petiscando. Ficam gordinhas e apetitosas, e ZÁS…, caldo com elas.
Ficamos todos a olhar uns para os outros com nojo daquela iguaria, mas enfim, afinal a mão da avó para a cozinha era bem cheia, e a outra segurava no Tommy Lee.
Jaime

terça-feira, agosto 29, 2006

Férias

Agora que estamos todos a regressar das férias, estava aqui a lembrar-me das últimas que passamos com a avó quando éramos pequenos. Ela gostava muito de colocar a sua dentadura postiça e ir imitar os tubarões para dentro de água. Era uma visão única vê-la dentro do seu fato de banho com as peles todas a cair e a escorregar para fora do tecido, e as mamas flácidas a baterem-lhe na cara, fazendo tan-tan-tan-tan-tan-tan, enquanto corria para a água. Já todos sabíamos: ela ia começar a morder nos pés do pessoal todo que estivesse dentro de água. É verdade que dentro de água ela mais parecia uma raia ou uma manta (pela maneira como as peles se espalhavam na água) que propriamente um tubarão, mas os resultados eram nefastos. Até as alforrecas, principalmente as margaridas, fugiam dela. Sei lá! Nem tenho palavras para descrever, era uma paródia ímpar. Nhac, nhac, nhac, lá ia ela mordiscando toda a gente.
Já a Pamela pegava na sua bóia (e não nas bóias), molhava-se toda e saia logo a correr com a água a escorrer pelo corpo, com aquele bikini vermelho apertadíssimo, sacudindo a cabeleira loira. Passava o dia nisto.
Já o Filipe e o Berto usavam o Jaime como prancha e iam surfar e depois fingiam estar em apuros para que a Pam os fosse salvar, mas tinham azar que ela era apenas figurante e quem os salvava sempre era um peludão que andava por ali com os ditos-cujos a saírem fora do fato de banho como umas lesmas, agarrava nos três e lá lhes fazia respiração boca-a-boca. Começo a desconfiar que eles gostavam. Desde que tinham ido acampar os três sozinhos para tomar conta das ovelhas da avó, diziam ter experimentado coisas novas, e nunca mais foram os mesmos.
Já eu, bem, como não sabia nadar, a avó construía um imenso castelo de areia e prendia-me na torre mais alta e deixava-me lá até que uma princesa me fosse salvar. Nunca aconteceu e como tal cheguei a ficar vários dias na praia até o castelo se dissolver…

Paulo

quinta-feira, julho 20, 2006

Um ano, um mês, alguns dias, horas, minutos,

segundos e outras unidades de tempo

que não sei nomear, depois…

Alvíssaras! O mundo inteiro rejubila: Alvíssaras! Há montes e montes de motivos para festejar. Os cortejos saem à rua, os foguetes estoiram no ar. Há música e alegria – toda a gente a dançar.
No período de um ano, mais coisa menos coisa, nós, os netos, recorrendo às novas tecnologias e a algumas antiquadas, fomos os instrumentos da avozinha na disseminação dos seus sábios ensinamentos. Elucidamos pobres e ricos, gentes das mais variadas classes, das mais burrinhas às mais vivaças e como compensação vamos continuar. Continuaremos a ensinar segundo técnicas avançadas o movimento para um PAFF perfeito, a trajectória exacta para realizar 9.9 em 10 pontos possíveis no lançamento de objectos acutilantes e passíveis de causar danos irreversíveis num ser humano, etc., ou seja, já deu para notar que este será cada vez mais um ponto de paragem imprescindível na navegação neteniana (que é como quem diz “na net”), principalmente por dar a conhecer esse ser maravilhoso, chamado avozinha, nas suas mais fantásticas facetas.
Nós não podemos deixar de partilhar convosco aquelas magníficas tardes em que o sol começava a declinar vermelhinho no céu, e nos deitávamos a dormitar no chão, aconchegados contra cimento duro, aos seus pés, e ela carinhosamente, de tempos a tempos nos mandava cuspidelas nos ouvidos. Outras vezes divertia-se a cuspir nas pessoas lá em baixo. Acordávamos mal ela começava a puxar aquela especturação tipo comboio de mercadorias “arrrrrrrrrrrrr rrruuurrrrrr rrrrrrrrrrrrr gharrrrrrrrrr arrrrrrrrrrsg”, e depois lá lançava a gigantesca minhoca viscosa a flutuar até à cabeça do coitado e infeliz transeunte e depois ria-se, tipo um burro, com espasmos, batendo nas pernas, e por vezes com o cajado nas nossas cabeças, em movimentos completamente involuntários, e nós sorriamos babados, às vezes ainda com aquela langonha a escorrer das orelhas e dos olhos. A dada altura parava de rir, voltava-se para nós e perguntava: “querem que vos conte uma história?”, ao que nós respondíamos abanando convulsivamente a cabeça positivamente ao ponto de ficar com um torcicolos. Então ela começava as suas ternas histórias de embalar, daquelas que eu, o Jaime e o Filipe já vos habituamos.
Para terminar deixo um recado do Filipe que quer só dizer-vos que assim que consiga pronunciar o nome da filha (Carolina, vai-se chamar Carolina, e por fim ficou só Carolina) sem se engasgar, bem como enjoar de comer leite em pó à colherada, voltará a escrever para todos nós.
Quanto a boas notícias, sinceramente não há, mas posso adiantar que isto vai de certeza piorar, se o Berto começar a partilhar as suas memórias, tal como prometeu…
Paulo

sábado, julho 08, 2006

Aniversário

Podia ter sido mais um dia como os outros em que tudo corre normalmente na casa da avó. Bem…, quer dizer…, pelo menos conforme já nos tínhamos habituado, caso não fosse O Dia. Era Dia de festejar um aniversário. Digo um aniversário pois a confusão instalada na altura foi tanta que já nem sei quem é que apagou as velas, quem pediu o desejo, quem comeu o bolo com a cara nem quem levou com a rolha. Levou com a dita rolha pois eu bem tinha dito ao Filipe, ainda me lembro como se tivesse sido ontem, – ouvi dizer que se puseres um dedo por trás ela não salta. Ele bem pôs o dedo mas não sei bem onde, pois a rolha acabou mesmo por saltar. O engraçado é que só vi o Filipe a dar um saltinho, o suficiente para conseguir desviar-se a tempo. O Paulo ainda conseguiu dar-lhe uma cabeçada, indo ter direitinha ao cinzeiro da Pamela, só não tinha é reparado que a rolha vinha com a armação toda. Ainda ficou com as letras Champoomixe gravadas na testa por algum tempo. Prestável como sou, fui logo a correr buscar a rolha para pôr na reciclagem, mas a pressa foi tanta que dei por mim a entalar o pé entre uma fissura do azulejo da cozinha e a cair direitinho com a cara no cinzeiro da Pamela (ou por outras palavras, consegui escorregar numa migalha que se encontrava precisamente no sítio estratégico para levar a cabo o meu plano, que era o de atingir aquela prateleira magnífica. Tst…, tolices.). Até tinha corrido bem caso eu não tivesse aberto a boca, é que a rolha ainda custou uns dias a sair. Para não falar da despesa que foi ao comprar uma sanita nova, devido ao buraco com que ficou resultante da expulsão do raio da rolha. Bem…, mas passando estes pormenores ao lado, a avó tinha finalmente terminado o seu bolo.
- O bolo especial está prontinho, vamos então festejar. Quem traz as velas?
- Eu vou buscar. Disse o Paulo. Onde é que estão!
- Estão aí na gaveta do quarto da avó, disse eu com a voz abafada devido a ter a cara mergulhada noutros assuntos.
- Onde?, não percebi o que dissestes?, há, já as vi.
O Paulo veio então com as velas e colocou-as no bolo, acendendo-as de seguida. Reparamos foi que estas tinham um feitio diferente, eram banhadas de um vermelho vivo e no seu topo pendia um pavio de um preto esquisito, que cada vez mais se afundava. Eram as velas especiais que a avó usava para desentupir os canos. Sabem como é, os pelos vão-se acumulando e acumulando até entupir, e depois começam a enrolar-se pelo ralo e a entrar casa a dentro agarrando-nos pelas pernas. Parece que têm vida. Logo, à que cortar o remédio pela raiz. BUUUMMM neles todos, receita infalível da avozinha.
Era tarde demais para voltar atrás, o rastilho estava a terminar o percurso, vinha aí o dia do juízo final. No entanto, passiva a isto tudo estava quem? A avó, quem mais, rindo-se feito uma perdida já com cataratas nos olhos de tanto rir. BBBUUUMMM, o bolo tinha rebentado. Nós já a ver a nossa alma branquinha a pairar pelo ar, mas não, eram pedaços de bolo que vinham na nossa direcção a toda a velocidade. Era bolo por todos os lados. Ficámos completamente vestidos a rigor de bolo. Olhámos uns para os outros, sem perceber o que se tinha passado. Nisto, a avó vira-se para nós:
- SURPRESA!!!...

Jaime

sexta-feira, junho 16, 2006

Deleite em casa da Pam

Estava eu ainda a sufocar com o fumo, quando dei conta que estava em casa da Pamela e que eu não era o Jaime. Fiquei confuso durante algum tempo, chegando a questionar-me se eu não seria o Filipe, mas ao coçar a cabeça, descobri que tinha cabelo e portanto podia ser quem fosse, mas de certeza não era nenhum dos carecas… Por fim, por mais estranho que parecesse tive que admitir: Eu era mesmo eu. Emocionado com a descoberta, deixei uma lágrima escorrer pelo meu rosto ao rever-me como um indivíduo com direitos e deveres para com a sociedade. Pus-me em sentido, com a mão no peito inchado e cantei o hino tal como os meus egrégios avós, honrando os heróis que nos haviam protegido dos espanhóis, expulsado os mouros e combatido os franceses. Homens como o Eusébio, o Figo, o Maradona (este não era português? Ah… ok, então esqueçam esse) e outros tantos de farfalhudos bigodes, como a Padeira de Aljubarrota, Inês de Castro, etc, e digam se não vos dá vontade de chorar, digo jurar, como eu jurei a mim mesmo dedicar a vida a tornar o mundo um lugar melhor… para mim… e como tal, nada como começar por aproveitar, pois já dizia a avozinha (e se não dizia, passei eu a dizer): o azar do Jaime é a sorte do Paulo…
Tinha então acabado de marchar contra os canhões quando a neblina se começa a dissipar, e eis que vejo por entre o espanto, assombro e consternação, o glorioso D. Sebastião… hã??? Sacudo as orelhas para desanuviar a atmosfera e… (AAAAAhhhhaleluia) m…ma…ma…ma…mas… Não era o Bastião! Era a Pamela, qual Lady Godiva montada no seu alazão branco, tal como veio ao mundo, m…ma…ma…ma…mas… maior, tão maior e tão perto de mim que me fartei de deleitar com tal visão, aliás, estava tão perto que me deleitei todo em cima dela…
Entretanto a avó chegou apressadíssima arrastando o Jaime pela orelha para corrigir o seu erro e foi obrigada a dar-lhe tanto com o Tommy Lee nos olhos para ele não ver, que o pôs a chorar, a mim não fez nada, pois como ela dizia muita vez: Não vale a pena chorar depois do leite derramado…
Paulo

quinta-feira, junho 08, 2006

Compras da Pamela

Estava tudo bem em casa, tudo como de costume, nada de pressas nada de confusões. Tirando é claro como já vinha sendo hábito, quer dizer, pelos menos desde alguns segundos atrás, estávamos à espera que a Pamela chegasse das suas já famosas compras de Verão, espreitando pela fechadura da porta de casa da avó aguardando a sua chegada. Pode parecer um costume idiota, e por acaso até tenho que admitir que o era, mas o prémio merecia bem a onda de idiotice que nos atravessava as mentes inferiores das partes baixas do corpo.
Passo então a explicar no que consistia. Basicamente tratava-se de um conceito simples. Só tínhamos que esperar que ela chegasse das compras e de seguida partíamos para a perfeita balbúrdia em casa, estou a falar de um caos total. Tentem imaginar como são os saldos naquelas famosas lojas de conveniência como a Sara, ou mesmo até a Manga. Já imaginaram?..., ok, pois não tem nada a ver com isso, o que fazíamos era bem pior. Neste momento estão vocês a perguntar-se o porquê desta reacção disparatada? Bem…, se não estão, então deveriam estar! Vá lá, eu espero um bocado…,...,…, então?…, já está?..., pronto, eu explico. Tal confusão iria chamar a atenção da avó e como ainda vinha a dormitar pegava num de nós e ia pedir ajuda à Pamela para olhar por ele por uns segundos em sua casa afim de poder acalmar as hostes. Todos nós sabemos que quando a Pamela chega das compras vai logo direitinha experimentar a roupa que acabou de comprar. E o melhor de tudo é que estávamos naquela época do ano em que se usa pouca e curta roupa.
Eis que entretanto ela se aproximava. Mal vimos a sua sombra a surgir começou a zaragata. Eu puxo os cabelos do Filipe, bem, quer dizer, ele disso já tinha pouco por isso só veio pele agarrado às suas mãos. Quase parecia um escalpe. A reacção de dor do Filipe alastrou-se para a parte inferior da perna. O seu pé chutou em cheio os ditos cujos do Paulo. Digamos que o seu reflexo de agonia foi tal que em pleno desespero deu um chuto no Ar, a partir desse dia nunca mais vimos esse neto da avó. O ar já estava cheio de gritos e zurros, mas para atiçar a fogueira, afim de acordar a avó de vez, atiramos os restos do almoço para a lareira. Erro crasso. Labaredas de todas as cores saltaram pela casa, até pareciam que estavam possuídas. A fumaça foi tal que não se via um palmo á frente de um boi. Nisto só ouvimos a avó a berrar e a desatar a correr na nossa direcção.
- Quem começou isto tudo?... e sabem que não adianta mentir!
- Foi… foi, o Jaime avó. Disse o Filipe ainda dorido.
Como não se via nada, a avó teve que atirar o Tommy Lee ás cegas. Elas sempre foram boas em reconhecer as feições das pessoas. Não demorou muito para o cajado conhecer o seu destino. PIMBA, em cheio nas minhas pernas. Nem vi o que me tinha atingido, pois tal era a fumaça.
- Agora anda comigo, vou-te levar à casa da Pamela para ficares de castigo. A avó ao abrir a porta, conseguiu desanuviar um bocado o ar. Mas reparei que eu ainda estava do lado de dentro da casa, ela tinha-se enganado no neto. Era o Paulo que estava a ser arrastado porta fora. Ainda gritei a avisar a avó, mas coincidiu com o estrondo da porta a ser fechada pela corrente de ar.
Bem, é claro que ficamos todos ansiosos de saber o que se tinha passado, mas tivemos que esperar que o Paulo voltasse…

Jaime

sexta-feira, maio 26, 2006

Fondues

Para a avó tudo tinha que ter o seu grau de desafio, e o fondue não era excepção. Dizia ela:
- Qual a piada em simplesmente convidar as pessoas para uma comidinha com um nome tão sofisticado, se no fim, apenas temos que a cozinhar?
Pois é, se alguma vez fossem convidados para o seu fondue perceberiam o que ela queria dizer. Aprendera com um famoso Chef, o Capitão Gaffe, alguém que conhecera nas suas viagens pelo jardim municipal, que existiam diferentes tipos de apresentar este manjar. De uma forma simples, estas poderiam ser classificadas de Iniciado, Intermédio e Avançado, embora em cada um deles pudessem haver ramificações ao gosto do anfitrião.
Para a avó, o Iniciado era a aquilo que todos conhecem, a carnita já cortada e temperada nos alguidares, espetar-lhes as forquilhas e está a afogá-la no óleo a ferver. Não tinha muita piada, segundo ela, excepto quando alguém entornava o líquido fervente nos tintins, ou pegava fogo ao manusear as lamparinas. Claro que ela armadilhava muitas vezes os utensílios… sempre a mesma brincalhona…
O que a avó mais apresentava, tipo quando recebia lá o Nicolau, o Zeus ou a Rainha da Prússia e as suas comitivas era o Intermédio, que consistia em soltar diversos tipos de animais numa herdade com 20.000.000.000.000 de metros quadrados e cada um tinha que caçar o que pretendesse comer, arranjar temperar e no final, sim, podia aproximar-se do caldeirão comum para cozinhar e comer. Quem nada apanhasse, comia no cu…rral. Era a uma espécie de castigo.
O Avançado, tinha também a parte da caça, mas cada um trazia os seus animais de casa, como previamente tivesse sido sorteado pela avó. Depois as criaturas eram cozinhadas vivas, o que tornava tudo mais complicado, pois espetar uma forquilha, por exemplo numa vaca e levá-la ainda a espernear e a dizer “mu-mu-mu” a cozinhar, não era para qualquer um não… Mas não havia sofrimento dos animais, era quase como a tourada, os touros de morte e as experiências em animais para a melhoria de vida humana, quer a nível de entretenimento ou saúde. Os animais até agradecem por poderem ser úteis… e a avó sempre tivera visão e sensibilidade para estas coisas…
Um dia, houve um caramelo que caçou a Pamela e queria comê-la viva mesmo ali na moita onde a encontrara. Que palerma, nem era dia de Fondue Avançado e já lhe tinha até arrancado a roupa toda. Se não chegássemos a tempo lá se ia a rapariga… o marmelo devia estar pronto para lhe espetar o ferro, ai se não estava…
Paulo

terça-feira, maio 02, 2006

As Receitas da Avó

A minha mãe pediu-me certo dia para ir à avó para ela me dar a receita. Como já puderam constatar, ela tinha muitas.
Quando cheguei, ela estava com o seu chapéu preto e pontiagudo de cozinheira a preparar a sopa para a ceia no seu grande caldeirão de ferro, a mandar grandes gargalhadas histéricas - hihihihihihihihihihihihihi - (ela ficava sempre muito feliz quando cozinhava) enquanto o mexia com a sua grande colher de pau, de onde era exalado aquele típico cheiro putrefacto e o vapor saía em nuvens esverdeadas seguidas dos blop-blops das enormes bolhas a rebentarem à superfície. Deixem-me que vos diga que ela usava estranhos condimentos.
Cheguei-me então a ela e pedi-lhe a receita. Ela olhou-me com ar desconfiado e foi buscar o Tommy-Lee. Bateu-me com ele até ficar sem fôlego, e mesmo assim ainda levantou o braço a tremer para me tentar acertar mais algumas, mas teve que desistir de cansaço. Recomposta perguntou-me: “Que fizeste tu hoje para a tua mãe pedir para te dar a receita? Foi muito grave! Foi, foi… Eu só lhe dava a receita quando ela assaltava bancos, ou empurrava velhotas para os penhascos!”. Ainda matutei durante algum tempo, mas tive que encolher os ombros pois não me ocorria nada. Por fim, ela matutou também e olhando-me de cima abaixo riu-se e disse: “eh, desculpa lá! Não devia ser esta a receita…”. Pegou então num jarro de dois litros despejou vinho branco, cerveja, séménepe e açúcar e mexeu com a carcomida colher de pau, com bichinhos e tudo. Virou-se para mim e disse: “Bebe lá homenzinho!”
E lá levei eu a jarra aos lábios e comecei com pequenos goles, mas ela empurra-me a jarra obrigando-me a beber tudo de uma vez: “força!” Quase me afoguei, no entanto uma vez mais, sobrevivi. Sangue da avó sobrevive a tudo. “Somos como as baratas: pequenos, atarracados, feios e toda a gente se quer ver livre de nós…”, dizia ela muita vez.
“Gostaste da receita? Todos os da nossa família devem beber um assim ao fazerem 18 anos, e tu para um franganote não te saíste nada mal.”
“Mas, ic, óbó, ic, só tenho 13 ic, blurrrrrrrrrpppp”.
“Feeewwww” disse ela torcendo o nariz “mas arrotas como um marmanjo podre de 30, bem daqui depreendo que também não é a receita da ganz… mmm contra a gangrena… deixa-me cá pensar… para já é melhor tratar-te dessa buba terrível”. Dizendo isto, volta-se para mim, diz-me: “Vai à janela e chama o Gregório”. A cambalear cheguei à janela e chamei: “Ó Gregó…”. E mal tinha começado a gritar o nome. Entra um gajo feito Speedy Gonzalez, agarra-me, espeta-me uns dedos compridos e finos na garganta, faz-me uma cocigueira na epiglote e pronto foi “Gregó…rlrlrlrlrlrlrlrlrlr lrlrlrlrlrlrrlraum larharaurgr ah” e quando pensei que até a minha tripa ia ser expulsa pela boca, tudo termina com um fedor nojento. Expeli coisas que nem me lembrava de ter comido. Tinha até bonecos da playmóbil desaparecidos há vários meses.
Quando voltei, para perto dela, estava a ler o seu grande livro de receitas, aquele com a capa vermelha com uma estrela dourada, escrito por um tal de Santo Ananás, talvez à procura da receita que a mamã queria.
Entretanto ela começou a revirar os olhos e a cabeça (ainda gostava de saber como é que ela fazia tal coisa) e leu em voz alta. Qual não foi o meu espanto quando percebi que aquilo estava numa língua estrangeira qualquer, e ouvia sempre um assobio no final de cada frase. Entretanto lembrei-me que a receita que vinha buscar não era de culinária, mas sim a receita do médico que a mamã se tinha esquecido lá. Olhei para cima da mesa onde ela estava e decidi ir-me embora para não incomodar mais a avozinha com a minha burrice. Ouvi uns ruídos estranhos ao fechar a porta, mas não liguei, pois como já disse, avó divertia-se muito quando estava a cozinhar.
Quando cheguei à rua estava a chover sapos e tinha-se aberto um portal do inferno para a terra por onde entravam demónios muito ruins… estranho, não acham? Foi uma confusão terrível. Tiveram que chamar os Gostbostas para safar a situação, foi, foi, mas ao menos a música divertia: tan, taranranran, gostbostas! Hehehe. Na altura era uma música que andava sempre na boca do povo, que era o vizinho da frente, isto, até lhe partirem os dentes, claro…Mas pronto, uma vez que comecei a falar de receitas, para a próxima dir-vos-ei como a avó fazia os seus fondues…

Paulo

sexta-feira, abril 21, 2006

A avó parte de novo

Depois da Messias que iria trazer paz á galáxia, ou não, a netinha da avó, a Carolina, ter vindo ao mundo conforme rezava na profecia e de acordo com as instruções escritas na porta de casa de banho da avó de como o fazer, assim como tão depressa a avó chegou também tinha que partir para as suas já famosas viagens interestelares.
- Bem meus netinhos, e querida bisneta, devo agora partir pois ainda não vi tudo o que havia para ver. Tive que deixar a meio a excursão que ia partir para ver um buraco negro.
- Mas essa coisa não está na sola do seu sapato? Inquiri eu pensando que a avó tinha cometido um lapso. É claro que para meu pesar, estava redondamente enganado. Ainda senti o Paulo a pisar-me as borbulhas dos pés afim de me tentar avisar para tal erro crasso, penso eu. Apesar de que fiquei com a leve impressão que foi simplesmente para divertimento próprio, pois notei um sorrisinho manhoso no canto do lábio. Escusado será dizer que foi uma porcaria do caraças, era só gosma por todo o lado, parecia uma festa de espuma. Mas o aviso já tinha vindo tarde. PAFT, Tommy Lee em acção de novo. Desta vez acertou-me em cheio no estômago, indo o meu pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e ceia, em direcção do Filipe. Por sorte, este conseguiu refugiar-se na babete da Carolina, ainda era grandito.
- Eu já vos falei disso, seus esquecidos!
- Hhhaaa…, acho que já me estou a lembrar.
- Recordo-me agora de qualquer coisa. Mas o seu sapato agora é motivo de excursão, avó? Perguntou o Paulo ainda meio a sorrir.
- Oh seu estúpido, assoaste o nariz com tanta força que o cérebro saiu foi? Andas tão entretido a ver os elefantezinhos cor-de-rosa a voar que nem prestas atenção ás coisas, e depois pimba, eles caem mesmo em cheio na cabeça. Já te disse que deves sair de baixo quando caiem. Nem vale a pena gastar o Tommy Lee nisto, já levaste com elefantes que chegassem. PAFT, em cheio no Filipe. Isto é só para ficarem todos quites.
- E não se esqueçam de fazerem os trabalhos de casa, pois eu vou enviando e-mails. Gritou a avó aos nossos ouvidos, com os seus pulmões todos sendo audível a pelo menos 5.000.000.000… km3. Ups, pensei que já tinha partido, assim também não se esquecem.
E foi então que a avó partiu para a carreira, a acelerar feito doida, para não perder pitada de nada. O fumo que causou foi tanto, que acrescentou mais um buraco na cama do Ozónio. Lá tivemos que arranjar um remendo para o vizinho. Foi assim que o Filipe pegou na babete multicolor da Carolina e ofereceu ao Ozónio para tapar o buraco. Afinal era uma boa acção, os seus animais de estimação sempre tinham comida garantida por alguns dias!
Jaime

terça-feira, abril 04, 2006

Abril, Mentiras Mil

Ora, eu sei, que a Páscoa e o Dia das Mentiras, nada têm em comum, mas houve um ano em que ficaram intrinsecamente ligados, e passo a explicar-vos porquê…
Estávamos nós um dia em casa da avó, à mesa para almoçar quando ela nos serve um magnífico assado. O cheiro era maravilhoso.
- Avózinhaaaaaaaaaaaaaa? Que ave é esta que estamos a comer? – Pergunta o Jaime…
- Isso não é uma ave… - Responde ela.
- Tu é que és uma ave rara! – Tumba! Espetei-lhe logo eu. E alguns dos restantes netos riram-se às despregadas. É que a avó gostava de pregar na parede os netos que se portavam mal. E o Euclínio e o Berto ao rirem, despregaram-se e caíram no caldeirão da sopa a ferver e ficaram a fazer companhia ao João Ratão.
- É coelho… - Responde a avó enjoada. – Por isso, fiquem já a saber que a Páscoa acabou…
- Acabou? – Perguntamos todos
- Sim… Esse gajo, o Coelho da Páscoa, foi a única coisa que me apareceu aqui com ar apetitoso para o almoço, e eu dei-lhe logo uma traulitada com o Tommy Lee e cozinhei-o sem pensar mais no assunto…
- Não acredito que tenha feito isso avozinha… - Diz o Jaime incrédulo.
- Sim, ele nunca podia ter ficado assim tão saboroso. Era velho e duro... – Completo eu…
- Ai Não? Quando comeram o Pai Natal há dois anos também não acreditavam que eu tivesse conseguido eliminar a gordura, e no entanto ficou apetitozérrimo com o recheio que lhe enfiei, e lindo com a maçã na boca…
E perguntam-se vocês onde está a mentira… Pois bem, eu explico. Não foi há dois anos que comemos o Pai Natal. Há dois anos comemos o Rudolph quando ele passou por cá a perguntar se o tínhamos visto…
Ha, ha, ha, ha. Pensavam que eu estava a falar a sério? Mentirinha de 1º de Abril… Nós nunca comemos ninguém… excepto… se tivermos fome, já dizia a avozinha.
Paulo

quarta-feira, março 22, 2006

O Bébé Cometa

Episódio I (A ameaça fantástica)

No início havia o imenso… vazio… silêncio…
Depois surgiram muitas coisas, muitas mesmo, imensas coisas, acreditem se vos disser que não as conseguiriam contar…
E depois num raio de luz, mais brilhante que uma estrela, completamente imaculada, veio… a avó, e nada nunca mais foi como antes…
Foi assim que comecei a minha primeira composição na primeira classe, e note-se que ainda não sabia escrever, mas se soubesse, era o que escreveria de certeza absoluta. Afinal “avozinha” foi a primeira palavra que me saiu dos lábios quando aprendi a falar aos 8 anos quando ela me derramou água a ferver em cima dos… bem, vocês sabem onde. Na realidade aquilo foi mais um berro, mas como tudo o que a avó faz, tinha um propósito. A partir daí nunca mais me calei.
Mas hoje, quero dar os parabéns à avozinha porque nasceu a sua primeira bisneta. Filha do nosso mmmmm suportável primo Filipe.
Quando ela a viu a primeira vez, notou-se logo o seu orgulho e carinho:
- Tirem-me essa coisa horrível e peganhenta da frente… - E PAFFF deu-lhe logo com o Tommy Lee para se ir habituando…
Já a Pamela ficou um pouco triste pois gostava que fosse rapaz para lhe dar de mamar, e vice-versa. Não percebi porque dizia ela isso, mas pronto, ela sempre fora muito dada, embora muito burriiiiiiiiiiiiiiiiiinhaaa, e como tal, ninguém ligava muito ao que dizia…
Eu e os outros netos, adorámos a nossa nova afilhada, linda, linda, linda, ainda mais sendo filha do bicho asqueroso que é o pai. Secretamente - Shhhhhh - (nas rádios e tv) perguntamo-nos senão terá sido trocada na maternidade. Isto porque pode haver aí um casal infeliz com um pequeno monstro nos braços e a nós não nos faz diferença trocar, pois já estamos habituados. Afinal, família é família, ou se gosta de todos ou só de alguns…
A avó refeita do choque emocional, decidiu mais tarde voltar visitar a sua bisneta, (coração de manteiga) dizia ela que precisava de mão de obra lá em casa… sempre com desculpas esfarrapadas… Mas não deixa de ser verdade, que desde que 300 dos netos pediram asilo a Cuba para terem melhores condições de vida, que as coisas ficaram difíceis nas minas de carvão que a avó mantinha na garagem do prédio. Aconselhou mesmo ao Jaime fazer uma daquelas fertilizações que dão gémeos quíntuplos e ele fez, o estúpido… nele mesmo… a única coisa que conseguiu foi que lhe crescesse a peida e as mamas… a Pamela até o olha de lado com inveja…
Voltando à bisneta e à avó…
A avó depois de olhar a piquena durante algum tempo com curiosidade e desconfiança, pegou nela, levantou-a no ar… e …ficamos em suspenso… alguém diminuiu outra vez a gravidade da sala. A avó rugiu, a gravidade voltou ao normal e TUNK! a míuda caiu de tola no chão…
A avó apressou-se a acudi-la, levando-a com ela por segundos que pareceram intermináveis, até que por fim regressou… íamos todos entrar em suspenso de novo quando a avó grita:
- Se algum camelo volta a mexer na m$%da do interruptor eu parto-o todo!
Acho que todos percebemos a mensagem e então, com os pés bem assentes no chão, ela desembrulhou a criança do cobertor, levantou-a no ar e lá estava ela cheia de mercurocromilianos, e betadinianos e fita-cola enrolada a disfarçar a grande mossa. A profecia cumpria-se finalmente… nunca se vira nada assim…
- Finalmente nasceu a criança que vai trazer a unidade e esperançaà força. Ou isso, ou vai destruir o universo… de qualquer das formas declaro aqui que tem a minha bênção e a minha protecção!
Mal posso esperar. Quando a avozinha a iniciar nos alcoolidianos e nas artes mágicas dos fuminhos e outras que mais é que vai ser…
Para terminar este glorioso dia, cantamos em coro o akuna-matata, e se os sinais não enganam, aquela forma como ambas se babam uma em cima da outra como companheiras de longa data, pressagia no mínimo uma relação especial. Quem sabe finalmente uma substituta para o Róbim? Pelo fedor dos seus “puns” dá para entender desde já que ela é um prodígio…
Parabéns… à nova mamã e ao novo papá…

Paulo

Episódio II (A guerra dos caldeirónes)

No hospital já estavam fartos de nós. Era sempre um corre, corre de enfermeiras quando passávamos pela maternidade, os bebés choravam ao desafio, coisa que não se aguentava, isto até pressentirem a avó, pois ficavam todos em sentido como se a prestar vassalagem a tal entidade. Era engraçado ver os bebés todos de pé, nas suas pequenitas perninhas. O Tommy Lee, afinal, sempre metia respeito. Nunca vi a despacharem uma pessoa tão depressa como naquele dia. Tinha sido dado alta à piquena. Finalmente ela ia conhecer a já famosa casa da avó. Todos estávamos ansiosos para ver a sua reacção, afinal tudo era de esperar.
Lá chegámos e como sempre a avó tinha aproveitado para tirar uma sonequita. Devia estar assim há algum tempo, pois a poça de baba já chegava aos seus calcanhares.
- Oh vó, chegamos com a sua bisneta. Dizia o Filipe, abanando-a para acordá-la. Tremendo erro. CATATUMMM. O Tommy Lee mexeu-se como por magia, acertando em cheio no Filipe. Este chorou como uma menina, tinha-lhe acertado nas partes íntimas. Mesmo nas orelhas. Para nosso espanto a Filipe júnior começou a rir feito uma perdida. Parece que tinha gostado. Então a avó repartiu o castigo pelos restantes netos. Digamos que foi uma pândega daquelas. Já se chorava lágrimas de crocodilo, pois nem o Perigo foi poupado. Eu tinha-o encontrado a subir pela sanita, num daqueles dias de comida mexicana. Não sei que raio aquela mistela teria mas algo sempre vinha ao de cima. Eram os resultados práticos das poçõ… tst, dos cozinhados da avó.
- Anda minha bisneta querida, vamos ver os cantos à casa, e traz o Perigo contigo. E vocês mexam-se, façam qualquer coisa.
E lá foram elas casa adentro, arrastando o animal pela cauda. Notava-se que a avó e a sua bisneta já se conseguiam entender muito bem. Devia ser por não terem dentes. A comunicação às vezes era parecida, babavam-se muito uma à outra. Afinal, eram tão parecidas, tão parecidas, que já nem chupeta queria, tinha-se mudado de vez para as côdeas de broa. Não foi preciso muita persistência para convencer a avó a conseguir tal feito.
- Toma, tens aqui a minha antiga chupeta. Tem um bocado dos últimos cogumelos que comi e umas larvitas, mas não faz mal. Precisas de vitaminas.
Passado pouco tempo chegaram as duas. A sua bisneta até já trazia um par de sapatos novos. Não sei porquê, mas algo neles pareceu-me familiar, e via-se que eram mesmo fresquinhos, acabados de fazer. Ainda deixavam rasto no chão.
- O Perigo perdeu-se? Perguntei curioso. O que é certo é que ele deve ter-se ido embora com inveja da bebé, pois desde aí nunca mais o vi… foi traumático.
- Nãaao, Jaime. Digamos que ele anda por aí! Já agora… , deste lume ao caldeirão?
- Não avó, nem sabia que queria realizar os vuduns!
Nisto, só vejo a avó a atirar-me a sua piquena, é claro que a minha reacção foi logo de fugir a três pés, mas como a Pamela já não estava em casa já só tinha dois, por isso decidi que era melhor apanhar o bebé antes que este sujasse o chão todo. Entretanto a avó pega no seu distribuidor de dor (o Tommy Lee) e deixa-o dançar a lambada sobre o meu corpo. Já era tarde demais quando reparei que tudo não passou de uma distracção para me apanhar a jeito.
- Raisparta, agora tenho que ser eu a acendê-lo. Oh Paulo, passa-me aí os fósforos.
E não é que ele dá uma valente passa, sugando aquelas cabecinhas vermelhinhas!
- Seu palhaço, assim não funciona. Tens que acendê-los primeiro. Dizia a avó, que já nem o conseguia corrigir, tamanha a estupidez que fez. Então ele acende os fósforos, dá a respectiva passa e… - fo#%$-se que isto queima. Ao gritar pelas suas goelas a fora, escorrega e bate em cheio com os dentes no caldeirão de ferro da avó. E assim fez-se lume.
- Agora que está tudo como deve de ser, vamos lá fazer o ritual de protecção que esta moça merece (os lábios da avó expressaram um sorriso saudoso. O caldeirão já não via carne há muito tempo). Filipe aproxima-te. Diz então como se vai chamar a tua filhinha.
- Carolina, vai-se chamar, Carolina.
- Que raio de nome é esse, Carolina, vai-se chamar, Carolina? PAFT. Uma chapada na careca do Filipe. Mais uns cabelos por crescer. Vai ficar só Carolina, e não se fala mais no assunto. E tenho dito!
Então, sem mais demoras nem contrariedades, a avó pega no calcanhar da Carolina, vai-se chamar Carolina, mas que por fim ficou só Carolina, mergulha-a dentro do caldeirão e fumos tutti-frutti saíram a voar como se por almas estivessem possuídos. Ao mesmo tempo, ouvem-se uns berros e gritos efeminados.
- Para com essas mariquices Filipe! Já todos fizemos o mesmo, e passadas umas semanas não dói nada. Se bem que o Paulo ficou um bocado chamuscado. Mas nada que o carinho e a mesa privada da Pamela não resolvam.
- Ups,… já me esquecia do que estava a fazer.
A avó puxa então pela Carolina, e esta sai com um sorriso enternecedor. Iluminava a sala toda. Baba, choro e ranho, escorriam pelo Filipe abaixo. A mulher do Filipe ficou sem palavras.
- Oh mulher, vê se te acalmas! Olha que não tenho outra muda de roupa.
E foi assim que mais um membro da grande família ficou interligado a nós. O ritual de protecção tinha terminado. Esta criatura ficava agora sob a protecção da avó, sob a sua alçada, perto do Tommy Lee.

Jaime
Em breve o Episódio III...

segunda-feira, março 13, 2006

Velhos Tempos...

A avozinha era sem dúvida uma referência para nós, era um poço de sabedoria com imensos sapos e todo o tipo de lixo, mas que tratado até dava para aproveitar.
Com os seus relatos aprendíamos muito, se não fosse mais nada ao menos divertíamo-nos com seus jogos, como ver quem cuspia caroços de cerejas em decomposição para mais longe, e outras coisas assim.
- Ó vóooooo, estou cheio de fome! – Começou um dia o Jaime a berrar.
- Fome? Eu posso contar-vos o que é passar fome…
E assim, mais um dia de Inverno gelado à volta da fogueira e de janelas abertas, começa ela a contar-nos um pouco da sua vida no tempo da Grande Fome…
Nos tempos bicudos da minha infância, murmurava ela, todos tentávamos sobreviver (para nós, netos era um exercício mental visualizar a avó na sua infância).
Vivíamos na mesma barraca com os porcos (quando eles deixavam), dormíamos num colchão cheio de buracos, que pela falta de espaço também era o refúgio dos ratos, o que obrigava de noite a dormir com um olho aberto.
Certa vez, com a fome, desmaiei e acordei com uma orelha roída, os estupores tiveram um jantar melhor que o meu. Para me vingar, sempre que apanhava um roía-lhe também as orelhas, foram as minhas melhores refeições… Velhos tempos. Dizia ela de olhos revirados, babando e bocejando.
De dia levantava o colchão e encostava-o à parede, assim, aquele espaço entre ele e parede era onde eu me aliviava com umas folhinhas de figueira, e estava feito. Sim, meus netinhos, não havia jornal como agora…
Essa altura era de muita fome. Por causa da fome muita gente morria de hostioporóse, pois assaltavam as sacristias para comer as hóstias, e o padre era obrigado a envenená-las. Um dia esqueceu-se que o tinha feito, e morreu também durante a missa. Sem ele lá, o povo comeu até os bancos da igreja com o desespero…
Como as unhas das mãos crescem tão depressa, costumavam ser o nosso pequeno-almoço misturadas com a terra do dia anterior. Por vezes esperávamos encontrar esquilos e perseguíamo-los para apanhar as nozes que eles escondiam, ou na pior das hipóteses, as que deitavam fora por serem impróprias para consumo…
Nesses anos houve muitas mortes, morreu o Sr.Valdemar de colester-oil. Trabalhava numa oficina, o coitado, escorregou no óleo e caiu inanimado. Os colegas aproveitaram e cozinharam-no mesmo quando descobriram que ele não estava morto, foi só deitar-lhe sal em cima…
A Sra. Micas parece que foi coisa da Cândida Dias (acho que a comeu enquanto faziam crochet), mas essa nunca conheci, ah e o Sr. Ramiro que andava sempre de trombas e acabou por morrer de trombose, pensaram que ele era um elefante e mataram-no para lhe tirar o marfim. Claro que houve muitos outros pobres coitados que acabaram por sucumbir ás misérias daqueles tempos infernais.
As únicas alegrias dessa altura, eram as minhas bonecas (uma pedrita no meio de um pano) que me ajudavam a ultrapassar tempos difíceis, tipo quando os meninos queriam roubar-me as chiclas. O meu pai que trabalhava nas grandes cidades a fazer estradas, sempre que nos vinha visitar trazia muitas bonecas e chiclas, estas que não eram mais que bocados de alcatrão que ele conseguia surripiar…
Ah, que tempos… Dizia a avozinha bocejando e acomodando-se na sua poltrona de eleição que mantinha aprovisionada com restos de comida bolorenta e com larvas de moscas.
Velhos tempos… BonzzzzZZZZzz TempozzzzZZzzz, RRROOOONNNCCCCC…
Filipe

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Carnaval

Segundo a avó, o Carnaval, tinha raízes, se é que se pode usar esta expressão, no Paganismo. Isto porque se tinha desenvolvido na altura do ano em que se fazia a Paga da Carne ao talhante, há muitos anos atrás. Quando alguém não pagava, era assombrado durante uma noite inteira pelos restantes vizinhos mascarados com as peles de animais e outras máscaras que de alguma forma representavam os animais na vida e na morte, dando azo a todo o tipo de disfarces macabros.
Mas como se mudam os tempos e se inventam verdades, o que é certo é que com a abertura de estabelecimentos próprios para o comércio de animais vivos, mortos e assim-assim, tais como os talhos, os bordéis e os clubes de futebol, a tradição ameaçava cair em desuso, não fosse a populaça ter de tal forma enraizada (lá estou eu com os tubérculos outra vez) esta festa carnal, que passou a ser instituída como um simples baile de máscaras, apesar de em alguns países, para manter a dita tradição, ainda se matam pessoas para ajustes de contas. Lá estão os insaciáveis açougueiros sempre desejosos de fazer o gosto à faca ou à pistola ou ao taco de basebol, ou… percebem, não é?
Com a avozinha até à Terça Gorda era sempre a enfardar com o Tommy Lee, pôr o Rei Momo a arder, fazer as tropelias que começam de manhã com ela a atirar farinha e ovos nos netos, e a correr desvairada deixando armadilhas e pregando partidas. Nós como resposta colocamos-lhe umas bombinhas nas cuecas… É Carnaval… ninguém leva a mal…
Era correr atrás do rabo, que normalmente era da Pamela, e depois mandá-la caçar gambuzinos com um saco. Todos os anos caía na mesma e lá ía perguntando pela rua onde os havia.
Mas um Carnaval que nos há-de ficar na memória, foi quando o Jaime estava a vestir o seu traje de cowboy e lhe disseram que a Calamity Jane era uma mulher. Ficou triste, mas resolutamente fez questão de procurar um traje apenas usado por homens e com o qual se identificasse, assim, depois de muito procurar decidiu-se por se mascarar de Drag Queen, ou como nós lhe passamos a chamar, Arrasta-te Rainha.
O Filipe vestiu-se de Hulk, utilizando basicamente a caca que lhe escorria do nariz para espalhar no corpo todo ficando com um aspecto verdalengo e luzidio.
O Berto que andava um bocado tristonho, e de trombas, acabou por se disfarçar de homem-elefante.
Eu comecei por tirar a máscara que usava durante o ano e fiquei um perfeito homem das cavernas, mas depois mudei de ideias e, utilizei os restos de tinta cinzenta que tinha lá por casa, e pintei-me todo dos pés à cabeça e fiquei um autêntico Michael Jackson, a avó até se ofereceu para me arrancar o nariz com o Tommy Lee. Ganhei o prémio de grupo, pois com os 30 netos que se juntaram a mim com as suas roupas de domingo todas esfarrapadas e os seus ares escanzelados fizemos uma bela versão do thriller…
A Pamela estava indecisa entre o seu traje de cabedal ou o de Wonder Woman. Por fim decidiu-se por ir disfarçada de batata.
A avozinha surpreendeu-nos a todos, pois disfarçou-se tão bem que não a vimos durante a noite toda. Descobrimos depois que se tinha vestido de Mulher Invisível. Espectacular! Só não percebo como não ganhou o 1º prémio…
Graças a esta ideia da vozita, decidi para esta noite, irmos de Quarteto Fantástico e vai ser até bastante fácil e económico:
Como avó ainda está para fora, a Pamela toma o lugar dela de Mulher Invisível, O Filipe pode ir de Coisa, afinal já tenho as pedras pintadas de cor-de-laranja e só estou indeciso entre usar cola, ou encostá-lo à parede e atirá-las até ficarem bem espetadinhas no corpo todo.
O Jaime pode ir de Sr. Fantástico (homem elástico), é só usar o espremedor de roupa antigo da avó para o esticar.
Eu serei o Tocha-Humana. Já tenho o bidão de gasolina e os fósforos para me pôr a arder quando a hora chegar…
Paulo

sábado, fevereiro 18, 2006

Fada dos Dentes

Como todas as crianças, nós também passamos aqueles famosos tempos chamados de muda de dentes. Não, não é o que estão a pensar. Não andávamos a trocar dentes uns com os outros, nem a experimentar a dentadura postiça que a avó costuma usar quando quer comer algo mais duro, como couratos por exemplo. Também nos foi dado a conhecer a Fada dos Dentes, como a toda a gente, mas de uma maneira bem diferente. Estávamos nós a brincar muito sossegadamente no pátio da avó, àquele famoso jogo do atira o calhau, enquanto ela estava muito ocupada de volta do seu caldeirão, donde saíam uns fumos esverdeados. Era para ver quem ficava com mais fracturas expostas. Nisto, eu atiro um calhau com tal precisão que bate numa janela, faz ricochete no chão, acerta no pé do Filipe, ainda vai acertar na mão direita do Berto (lá tem que ser com a esquerda daqui em diante) e finalmente bate num dente do Paulo. Este ficou ali estatelado no chão como um pássaro abatido. O Paulo foi logo a correr para a avó, para ver se ainda havia super cola 13.
- Oh avóoo, o Jaime, o Filipe e o Berto partiram-me um dente.
Splat, em cheio com a fuça no caldeirão da avó. Mais um dente a voar. A avó tinha pregado uma rasteira ao Paulo.
- Já vos disse que não quero correrias dentro de casa. Então vocês partiram o dente ao meu Paulinho? Ainda por cima a cola acabou, estive a mascar o último bocado. Todos para aqui em filinha.
Já sabíamos o que nos ia calhar, não valia a pena discutir. Quem tem o cajado na mão, geralmente é quem ganha. A faca e o queijo nem tiveram hipóteses. Não vale a pena entrar em detalhes, visto estes serem negros e cheios de Hema-toma. O raio da Hema é que nunca aparecia, tínhamos que ficar com o toma. Digamos só que o resultado foi que cada um de nós ficou também sem um dente.
- Agora ninguém se ri do Paulo, a não ser eu, e não se esqueçam de antes de dormir colocar os dentes debaixo da almofada.
- E porquê avó? Perguntei eu muito incrédulo a segurar sobre o dente derramado, com medo de represálias.
- Não me questiones. Arre, … Ide lá lavar as mãos pois o jantar está na mesa.
Comemos,… não, engolimos depressa só de pensar no que a avó nos tinha dito. Lá fomos então para a cama ansiosos com o que nos esperava. Estávamos muito bem a dormir, e nisto ouço um barulho. Ainda tentei acordar os outros, mas sem sucesso. O Paulo estava tão agarradinho ao Filipe que nem queria saber. Só me davam pontapés e chapadas para voltar a dormir. Nisto reparei num vulto que se aproximava das nossas almofadas.
- Quem vem lá? Só ouvi um suspiro a dizer bem alto.
- Está mas é calado antes que leves na cabeça. Volta a dormir pois a Fada dos Dentes está aqui para fazer uma troca.
Eu pensei que fosse o serviço de emigração, que vinha buscar um dos netos da avó. Um tal de João Doa, mas nisto reparo que essa entidade tinha uma coisa na mão em forma de varinha. Tentei aproximar-me, arrastando-me pela cama, e vi que era parecido com a varinha da avó. O cheiro a chocolate era inconfundível.
- Mas é a a…!!!
Nem o pensamento tinha acabado de se formular na minha cabeça, e nisto a cama acabou e o meu corpo cai estatelado no chão. Ainda tentei rodar a cabeça, para ver quem estava a meus pés, mas os meus sentidos deixaram-me só. Acordámos todos de manhã, eu no chão, e virei-me logo para o Paulo e para o Filipe.
- Esteve aqui alguém ontem à noite. Uma tal de Fada dos Dentes! E tinha a varinha da avó.
Nisto o Paulo interrompe.
- Ei, vejam o que temos debaixo das almofadas. É um dos dobrões da avó.
- Pois é meus netinhos, parece que a Fada dos Dentes veio cá a casa ontem à noite.
- Bute brincar lá fora para ver quem fica com mais dinheiro. Disse o Filipe, já a pegar nas pedrinhas.
- Vamos, eu também ajudo. Disse a avó com um sorriso sem dentes.
Jaime

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Dia dos Namorados (o regresso da espinha)

Já vos contei muitas coisas dos meus tempos com a avó e de todo o tipo de coisas que graças a ela me enriqueceram enquanto desperdício orgânico. Por exemplo, lembram-se do teste de matemática? Lembram-se de vos ter falado de uma espinha viscosa e amarelenta de tamanho descomunal que me crescia na ponta do nariz? Se bem se lembram, a Filipinha estava a chegar e podia ser um pouco chato se lhe estourasse aquele vulcão radioactivo na cara. Se não se lembram, é melhor irem ler…
Seja como for, era dia 14 de Fevereiro, e não era essa a minha ideia de prenda para o Dia dos Namorados…
Ora bem, depois da explicação de matemática a avó olhou-me com o olho vesgo e perguntou: Afinal quem és tu? Ao que eu estupidificado respondo: Sou o Paulo, avó! Ao que ela retorquiu: Não és nada! E eu contraponho: Sou, Sou! Mas ela nada convencida diz: Não és não! Até que me passei e gritei: Sooooouuuuuu! Ao que ela diz: Não me grites! e PAF! Aiiiiiiiii! (galo a crescer na tola) é (tento eu falar) PAFFF! uma (continuo a tentar) PAFF! petuberância! PAFFF! que PAFF! me PAFF! cresceu PAFF! no PAFF! nariz… PAFF! … PAFF! ? PAFF! !?! PAFF! !!!!????? Desculpa, pensei que ias dizer mais alguma coisa… Então parou e olhando-me nos olhos disse: Ómessa! Não é que és mesmo tu? PAFF! Aieeeeeeee! Esta foi porque me apeteceu… estás mais bonito assim… parecias o Euclínio… mmmmmm Enrolou ela entre os dedos aquele pêlo que lhe crescia como uma trança de Rapunzel para fora da narina esquerda. Passou por mim, coçou depois a cabeça, ouvi um PLIM, e quando retornou, trazia um balde numa mão e o Tommy Lee na outra. Pediu-me para segurar o balde em frente à cara, enquanto assumiu a sua posição de jogador de basebol e berrou como uma maluca: SHE SWINGS… AND… (PAAAFFFFF e depois SPLOFT) SHE SCORES!! Saltou e correu à volta da mesa da sala, acertando-me diversos PAFFS que me faziam soltar igual número de AIIIS, numa estranha mistura de basebol e hóquei. Depois de desmaiar até deixava de doer. Felizmente o Jaime estava lá para me despertar, atirando-me baldes de água à cara, lançando, por vezes, o balde também, o que me deixava de novo inconsciente.
Quando terminaram, eu estava outro. A minha mãe seria incapaz de me reconhecer… Parecia o Chereque de tão inchado, só que em vez de verde, estava vermelho e negro (como o livro do estendal).
Como qualquer tratamento teve os seus efeitos secundários, que foram a queda de dentes, alguns hematomas (que eram mais hematumbas), olhos negros, uma dor de cabeça que durou três semanas, uma perna partida, para não falar do irritante assobio nos ouvidos (de que ainda sou acometido de vez em quando) e muita porcaria… Não foi nada mau. Há tratamentos piores…
Por fim a avó vendo que a época negra tinha vindo afectar os seus netos, pôs mãos à obra, neste caso no caldeirão, e com as suas artes mágicas, e raízes de mandrakes, fez várias pulseiras: 10 para os netos do norte, 10 para os netos do sul, 10 para os mais velhos e 10 para os mais novos, 10 para… bem uma para cada neto, e por fim, no maior dos segredos, fez uma corrente para todas ligar, e à perna da mesa as amarrar. Distribuiu-as por todos nós, ao que o Berto na sua maneira parva decide perguntar:
- Onde é que eu a meto? – E a avó arregalando os olhos responde: - METE-A NO…
Desde essa altura que o rapaz nunca mais andou direito e responde a todas as questões: “mete no…”, e depois vai-se embora todo retorcido a dizer coisas como: “Ai-ai-ai a minha preciosssaaa…”
Mas há males que quanto mais chove mais se lhe arrima, já dizia a avozinha e muito bem, pois a Filipinha quando me foi visitar ao hospital e me viu naquele estado, disse que me perdoava por não lhe ter comprado uma prenda, e disse-me também, a propósito de coisas da adolescência que ouvira a mãe a dizer ao seu irmão para não esgalhar os pessegueiros pois podia ficar cego… percebi logo o que ela quis dizer, pois além de estragar as árvores, comer pêssegos verdes, e talvez, mesmo cheios de químicos pode fazer muito mal… o melhor é lavar-se tudo muito bem…
São males terríveis essas coisas da adolescência. Bem piores que a clamídia, gonorreia e a tricomoníase (causada por protozoários móveis), já dizia a avozinha… e não tinha dentes…

Paulo

segunda-feira, janeiro 30, 2006

A Galinha, que era um Galo…

A tarde estava finalmente a chegar ao fim, bem como as limpezas e aproximava-se a hora do jantar. Tinha sido um dia atribulado, ajudando a avó a preparar as doses diárias para os seus clientes. Como sempre, ela aproveitou para tirar uma sonecazinha no seu divã, enquanto nós nos esfolávamos para acabar de cumprir as tarefas de casa. Aquele seu famoso divã que já tinha a sua forma e a sua sombra, de tal forma que parecia estar sempre a olhar para nós. Era de arrepiar os cabelos do Filipe. Podia-se bem ouvir o roncar da avó, com os cães a uivarem a acompanhar. Podia parecer uma educação rude e áspera, mas raramente havia queixumes, ou então era Tommy Lee pelas costas abaixo. Tirava-se uma boa lição disto: “…pau de marmeleiro no chão, é bem melhor que tê-lo a varrer as costas…”.
- Oh vó, afinal o que é para jantar? - Perguntei, já com um concerto desafinado a tocar no estômago.
- Ah,… mas que cara#$#? Quem é que me acordou assim? - Berrava a avó, cuspindo pedaços de broa que ficaram a ruminar na boca durante o sono.
- Foi o Jaime. - Disse o Paulo com dificuldades, pois tinha broa colada na cara toda. ZÁS, e ZÁS. O primeiro ZÁS foi o Tommy Lee a falar-me na cabeça. Não recordo o que me disse. Devo ter adormecido um bocado, talvez passado pelas brasas. Deve ter sido isso, pois sentia a cabeça a arder. O segundo ZÁS foi em direcção do Paulo. Ele atirou-se para o chão, mas só conseguiu acertar com a cara em cheio no pé da avó. Parecia tudo premeditado, mas não creio. Acho que ele não queria acertar no pé da avó. Ainda se escapou do Tommy, mas ficou sem uns bons dentes. Já não teve de se preocupar com o siso.
- Não tinhas nada que me acordar assim dessa maneira, Jaime. Sempre a pensar no jantar. E tu, Paulo, não tens nada que ser bufo. Fica um cheiro pela casa que não se pode. Até parece que morreu um texugo ou outro ser vivo não identificado. Vamos comer coelho que já não tenho tempo para preparar mais nada. Até porque foi o que o meu carro apanhou noutro dia. Já está batido e tudo.
- Não podemos antes comer galinha, avó? - Pergunta o Filipe.
- Agora merecias uma boa porrada, mas fizeste-me lembrar desse velho amigo. Andávamos sempre juntos… Como era bom gozar com ele. Ai que saudades.
Éramos ainda muito pequenos nesse tempo, tínhamos umas recordações vagas. Devia ser por altura das marés vivas quando tudo se passou. Apareceu um galo esplendoroso na casa da avó. A sua crista brilhava de uma maneira que nunca tínhamos visto, mas se calhar era devido a termos colocado uma lâmpada nova à entrada. Mesmo assim ficamos tocados, ou seria dos efeitos secundários do sumo especial da avó, que bebemos ao lanche?
O galo e a avó ficaram muito amigos, mesmo uns verdadeiros compinchas. Era a perfeita simbiose, a avó comia e o galo apanhava os restos todos que saltavam da sua boca.
Só que uma certa noite, tudo mudou. A avó reparou num estranho sinal que pairava nos céus e saiu disparada para o seu carro, mas não reparou que o galo estava empoleirado no tubo de escape a fazer uns ruídos estranhos, no entanto, não desconhecidos. Eram parecidos com os que a Pamela fazia. Acho que devia estar a tentar aliviar alguma pressão. O carro da avó devia estar com problemas. Foi então que a avó arrancou a toda a velocidade e o galo saiu disparado pelo ar. Mais parecia que tinha entalado qualquer coisa no fecho eclair. Acho que ficou com qualquer coisa presa no tudo de escape da avó e que talvez tenha sido mesmo arrancada, pois a partir desse dia o galo começou a ficar diferente, mais parvo. A sua voz já não era a mesma. Parecia um soprano a cantar. E vínhamos a reparar que a sua crista altiva começava a diminuir a “passos vistos”, até que por fim, desapareceu por completo.
- Heee, olha o galo sem crista. Mais parece uma galinha. - Gozava o Filipe dando-lhe pontapés no traseiro. Era o que estava mais á mão. Não percebia este comportamento do Filipe. Tinha lógica era dar outras coisas no traseiro do galo. Afinal, ele tinha asas. Devia ser bem mais fácil de segurar do que as orelhas do Robim. No entanto, este comportamento era salutar. Desviava de nós as atenções da avó. Era bom ter outro bode expiatório. Aiii,… se fosse um bodezito. Nem que fosse só por um dia. Isso é que seria uma festança. Até convidávamos a Pamela e tudo. Afinal, alguém tinha que segurar no bode.
Por fim o galo fartou-se. Não aguentava mais biqueiros do Filipe. Ainda por cima eram de biqueira larga. Fugiu então de casa da avó sem nunca olhar para trás, nem para os lados. Por pouco servia de decoração do asfalto, não fosse o carro conseguir travar a tempo. “Cuidado!! Ai, galinha estúpida!” Passados uns tempos recebemos um postal dele. Tinha subido na vida. Disse que tinha conhecido um tal de Pratavotti, durante as suas aventuras no metro. Cantava ao desafio com o apito da estação. Formaram um grande espectáculo conhecido por Pratavotti and Friends. E foi este o destino do galo que era confundido com uma galinha.
Agora já sabem porque é que a galinha atravessou a estrada. Tudo por causa do escape do carro da avó.

Jaime

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Astrologia

Quando estava bem disposta, a avó sentava-se connosco no terraço e lia-nos as estrelas (mesmo durante o dia) e fazia os mapas astrológicos para todos os netos, e como é início de ano, nada como ter as perspectivas em conta:
Os carneirinhos têm espírito de sacrifício, mas no fundo são todos umas ovelhas negras e aqueles olhos de carneiro mal morto são só manha. Têm a mania que são os maiores, mas são que nem calhaus. Com aquelas vozinhas de carpideira, sempre, mé-mé, mé-mé, morrem cedo de depressão crónica, típica de dona de casa insatisfeita e com os cornos retorcidos…
Os touros são outros que tal, serão sempre cornudos, com ares de mau. Acabam todos por casar com vacas, e isso diz tudo, não? Mas a inteligência não é o seu forte. Como os anteriores andam sempre a ruminar enquanto a mimosa anda no leitinho, e se parecem desconfiar, é: ai-ai que estamos loucas. No futuro vejo a lobotomia.
Depois temos os gémeos, conflituosos e com problemas graves de personalidade e com um único cérebro dividido por dois. São tão confusos que muitas vezes duvidam serem quem são. Têm a mania que são especiais, quando são apenas aberrações. São tão repetitivos que já perdi a vontade de falar deles. Futuro? Não me parece que tenham… mmm, talvez num frasco…
Os caranguejos, só têm caca na cabeça, e lá por isso não têm grande rumo na vida. Gostavam de viver na praia, mas vão viver enfiados na lama. O futuro é levarem com um martelo na cabeça e terem os membros esmagados num acidente nas obras. Na melhor das hipóteses casam com uma sapateira e passam a trabalhar numa marisqueira de luxo. Isto é que é subir na vida, não?
E os leões? ROARRR, ai que medinho. Pensam que vão governar? Vão mas é cortar esse cabelo piolhoso e depois digam qualquer coisa. Lá porque a mulher acha que ficam bonitos nas fotos, não pensem que vão ser modelos. O vosso auspicioso futuro está nas fotos, sim, mas nos pacotes de leite. São os alvos típicos de rapto. Palhaços!
Depois temos os mmmmmm, virgens. Hahahahahahaha, o que eu tenho a dizer sobre eles… hahahahaha, aiiii, coitados… mas no fundo o que há para esses é hahahahahahaha, pobrezinhos… hahahahahahaha, deviam ser comediantes. O maior desejo deles é serem Capricórnios.
Ai e depois temos os balancitas… Sempre com enormes pesos nas costas, sempre com dúvidas. O pesadelo de qualquer mãe ou esposa. O mais certo é acabarem na justiça… só mesmo uma cega para vos aturar. Enfim, a droga há-de ser a vossa perdição…
O típico escorpião é sempre o coitadito que tem a mania da conspiração contra ele: Ai-ai, ai-ai, é só inveja porque eu sei tudo, e que ninguém diga o contrário que eu estouro os meus próprios miolos! Ah, que inteligências raras. Como se alguém se importasse. Contratem um psicólogo a tempo inteiro ou casem com bonecas insufláveis, mas desamparem a loja. Porra!!! São constantemente assassinados por velhotas ou tetraplégicos.
Os sagitários, são uns parvinhos, mas também são os únicos passíveis de ficar ricos e famosos graças à boa sorte. Por outro lado, o mais certo é serem roubados e acabarem na miséria, os restantes morrem quase todos com infecções na bexiga antes de chegar aos 18, portanto aproveitem…
Capricórnios… mé-mé, outra vez, raios partam… olhem, vocês são todos iguais. Não sabem fazer nada direito. Com carinhas ternurentas e larocas, o vosso futuro passa por serem vítimas de sodomia recorrente por um pastor vizinho (ou vários) no meio da natureza, durante a infância. 63,2% viram assassinos psicopatas e morrem baleados depois de sitiados em casa da mamã.
Há gajos e gajas que só têm ar na cabeça, os aquários é só água. Pá, o vosso futuro é simples, com essas cabeças de bolha, vão ser como os virgens, o vosso futuro é na caca dos outros, a obesidade mórbida, ou assassinados por capricórnios.
A memória não é forte dos peixitos, que são tão parvos que passam a vida com medo de morrer por afogamento. Não tomam banho e por isso terão sempre o estigma do mau cheiro. Invariavelmente fazem carreira na recolha do lixo e por fim, acabam como vítimas equivocadas da máfia a boiar num rio poluído qualquer, afogados…
Assim falou a avó...
Paulo

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Grávida de dois minutos

Era noite escura. A lua não queria se mostrar. Ao longe, ouvia-se um par de gatos enamorados a miar. De repente dois tiros de caçadeira de canos serrados. Silêncio… e depois… Toc, toc, toc. Alguém bateu a porta da avozinha.
- Raios, quem será a esta hora? - Resmungou ela. Levantou-se muito devagarinho com um som de dobradiças mal oleadas. Abriu a porta. Era o Zé das Papoilas, mais conhecido pelo Zé Urtigas, mais conhecido por Manel. Ele estava branco como a cal e suava mais que um vegetariano num talho.
- Avozinha, avozinha, tornou a acontecer, Teodoseo Gago Tunas voltou a atacar! - Sem dizer nenhuma palavra, a avozinha dirigiu-se para os quartos dos netos, abriu a porta de rompante e berrou carinhosamente:
- Tá a acordar! Bando de imprestáveis! - O Paulo levantou-se de um pulo só, o Jaime também, mas prendeu a barba no feixo-éclair do saco-cama arrancando alguns pelos da barba e um pouco de pele também e um pouco de carne e um pouco da face esquerda e um pouco da vista e um pouco de cabelo e um pouco de madeira da cama e um pouco de cimento da parede. O Filipe não acordou. A avozinha aproximou-se dele e com o seu potente cajado deu-lhe uma de cima para baixo com tal força que quebrou a barreira do som fazendo um som de trovão, com o seu movimento. Filipe acordou sobressaltado balbuciando: mas Thor, eu já disse que não quero ir ao baile de finalistas contigo...
Os três olharam para a avozinha e ela disse: Teodoseo Gago Tunas voltou a atacar! Paulo começou a chorar, Jaime ainda procurava pedaços da face e Filipe desmaiou. Bem estou a ver que não posso contar com estes imbecis. Vamos Zé, mostra-me onde tudo aconteceu.
Dirigiram-se para o local do crime. Quando lá chegaram, o horror, oh, o horror, sangue por todo o lado, tripas espalhadas, cartazes do último concerto do Emanuel. Os dois gatos estavam mortos.
A avozinha ajoelhou-se dolorosamente e com um dedo torcido pela esclerose múltipla espongiforme curvilínea crónica, molhou no sangue. Levou-o a boca, saboreou, fez um leve gorgolejo, e disse num tom académico: felino do sexo masculino, 2 anos, sangue AB positivo, leve teor de açúcar acima do normal. Mergulhou o dedo na outra poça de sangue e disse: felino do sexo feminino, 1 anos, 7 meses, 3 semanas, 2 dias, 3 horas, 27 minutos e 3 segundos (mais ou menos), sangue A negativo e... Uma certa palidez apoderou-se das suas faces. E sentenciou: estava grávida de dois minutos. O Zé das Papoilas, mais conhecido pelo Zé Urtigas, mais conhecido por Manel exclamou:
- Não fui eu! Eu não engravidei a gata.
- Pois não, respondeu a avozinha, mas foste tu que os mataste, acusou com a ponta do cajado Tommy Lee. Pois agora não me enganas mais! Tu és Teodoseo Gago Tunas!
- Como é descobriste sua velha tonta?
- Além da tua T-Shirt do Teodoseo Gago Tunas, a caçadeira de canos serrados que trazes contigo e também essa pata de gato que tens pendurada no porta-chaves serem suspeitos, o que te denunciou, foi o modo como bateste na minha porta. Nunca gostei e sempre desconfiei dos teus Toc, Toc, Toc.
- Raios, disse o acusado.
- Agora só me resta saber o porquê.
- Nunca o saberás! - E pôs-se em fuga. Iniciou-se então uma longa perseguição, o Teodoseo Gago Tunas era manco, a avozinha era coxa, os paralelos estavam ensopados com sangue e os cartazes do Emanuel voavam por todo o lado. Sem saber para onde fugir escondeu-se na casa da avozinha. Paulo continuava a chorar, o Jaime tinha encontrado 63,0202202 % do rosto e Filipe gemia no seu sono; Ó Thor, que belo martelo que tu tens..., nenhum deles se apercebeu que o perigo morava com eles, que o perigo estava com eles, que o perigo estava no saco-cama do Jaime (Perigo era o nome do crocodilo de estimação do Jaime, mas fica para outra história) e também se encontrava TEODOSEO GAGO TUNAS! Apontou a caçadeira para os três netinhos da avozinha e gritou para a janela:
- Mais um passo que seja e os três fedelhos ficam ventilados no cérebro!
- Rende-te Gago, a casa está cercada, não tens por onde fugir!
- Velha mentirosa! - E espreitou pela janela. Foi um erro grave. A avozinha com uma perícia incrível atirou o Tommy Lee pela porta de entrada, fez 7 tabelas na cozinha, acertou na cabeça do Paulo, vazou uma vista ao Jaime, bateu repetidamente no Filipe que sonhava sempre gemendo: sim martelo, oh sim! Acabando por espetar-se em Teodoseo Gago Tunas. Ele cambaleou, bateu com a cabeça no candeeiro, queimou as mãos no fogão aceso, pisou a armadilha para lobos e caiu no saco-cama onde Perigo se encontrava, ouviu-se um doentio mastigar, ossos a quebrar, arrotar, peidar e triunfantemente, Teodoseo Gago Tunas irrompeu sorridente com um pedaço da cauda de Perigo na boca.
- Nãaaaaaaaaaaaooooo! - gritou Jaime e atirou-se a ele com uma fúria incontrolável, empurrando-o pela porta fora onde a avozinha esperava por ele.
- Eu sei porque mataste aqueles gatos. Porque Teodoseo Gago Tunas é um anagrama de EU NÃO GOSTO DE GATOS.
- Sr. guarda Antunes leve-o.
Assim sendo como já dizia a minha avozinha: podes ser gago ou mudo, mas o teu nome diz tudo.
Filipe

domingo, janeiro 08, 2006

Janeiras

Estávamos em Janeiro, pouco depois do Natal. Parece que tínhamos conseguido sobreviver à festa dada pela avó, tirando o cheiro fétido que permanecia no ar, consequência da libertação do fogo de artifício, estávamos todos prontos para o dia seguinte.
A avó já nos falava deste ritual desde que éramos pequeninos. Lembro-me como se fosse hoje “Desde os meus tempos de infância, que vamos sempre cantar as janeiras de porta em porta. Sabem como é, depois do Natal é preciso juntar mais alguns troquitos para o próximo. E como é habitual as pessoas atiravam dinheiro mal nos ouviam a chegar às suas casas. Nunca percebi a razão de tal sucesso. Se bem me lembro acho que nunca cheguei a pronunciar nada parecido com uma nota de música. Devíamos ser mesmos bons, para as pessoas não nos quererem ouvir.”
Bem, já estávamos ansiosos pelo começo da aventura. A avó reuniu os seus quinhentos netos todos em filinha e começou-nos a marcar com números, para saber quantos éramos. Não doía muito, tirando quando o ferro estava quente. Se bem que depois da primeira marca, já não sentíamos nada. O estranho era que acordávamos todos babados e com os cabelos em pé. Enfim nada de mais.
Lá seguíamos pela rua fora a cantarolar, afastando assim o frio próprio da época “eu vou, eu vou, cantar as Janeiras vou, lá lá lá lá, lá lá lá lá, lá lá, lá lá…”. Sempre atrás da avó, seguindo a sua candeia como se fosse um farol.
- Oh meus netinhos, estou agora a recordar-me de uns dos meus momentos de meninice, bem já no passado, de um episódio que se passou.
“…há muito, muito tempo atrás, nesta mesma rua, apareceram uns homens estranhos, três ao todo, a distribuírem torrões por toda a gente. Nunca tal coisa havia sido vista, logo o sucesso deles era imediato. Eles apresentaram-se como sendo o Belechiorio, o Gasparófio e o Baletezarius. Falavam uma língua estranha, mas entre as cuspidelas lá consegui perceber qualquer coisa. Diziam que andavam à procura de um certo menino, mas que estavam à espera de um sinal vindo dos céus. Eu lá lhes disse qualquer coisa, agora não me lembro bem o que era, a memória já não é o que era, só me lembro de eles estarem sempre a repetir qualquer coisa como “Sí carinho…”. E afastaram-se tão misteriosamente quanto apareceram. Só que um dos homens enrolou-se num dos tapetes que levava ao ombro e acertou-me o passo. Eu já andava a mancar há alguns dias. Devido a tal súbita mudança de equilíbrio, começo a escorregar e vejo a candeia que levava a esvoaçar pelos céus, tipo estrela cadente. Fiquei foi mais perplexa ainda, foi ao ver os três homens a correrem como se houvesse saldos naquele famoso mercado da época, o Corte Espanhol que mais tarde seria comprado pelos Bretões, e seguirem a candeia, bradando aos céus “Venga, conho. Qui és el sinal que nos lhieva al menino!”.
É como vos diz a avozinha “quem da candeia vai atrás, cedo ou tarde encontra o rapaz.”

Jaime