sexta-feira, dezembro 30, 2005

Ano Novo: Festa é Festa

Nós sempre adoramos passar de ano com a avó. A ideia de queimar umas bruxas na fogueira, empalar uns vizinhos, jogar ao pau com os ursos, exorcizar demónios, enfim, fazer essas brincadeiras tradicionais de baile de fim de ano, deixa-nos sempre excitados como uma cadela no cio.
A avó passava a última semana do ano a alimentar-nos à base de feijão e grão para que no dia 31 tivéssemos o melhor fogo de artifício do bairro. Claro que ela não exagerava, pois sabia perfeitamente que uma colher a mais podia bem significar uma explosão Antónia, e ela não estava numa de Setar Whores, e passar de 3 para 6 episódios de Saga Atómica, num espaço de quarenta anos.
Mas voltando ao que interessa, nessa noite o melhor era entrar no comboiinho e acompanhar cantoria:
Alala ô, ôuô, ôuô, ai qui calô, ôuô, ôuô…
Brigiti Barbô Barbô, e ainda o célebre: Eeeeeiiiiii meu amigo xarli bráun.
Cantávamos todos certinhos com a Pamela a tocar no pandeiro, o Filipe nas duas maracas e o Jaime no reco-reco.
Havia espaço para também para o Bamboléô, Bamboléô, porca mi vita, nunca bibi um binhito ássi… ou fazendo variações para o Cume bai á, ó Cume bai á…
No final dava-se lugar a canções mais calmas como 99 garrafas de cerveja na parede (muitas iam para o chão ou para o tecto), ou o wiski na jarra das flores, embora o Berto gostasse mais de pôr no aquário, o que deixava as piranhas e os crocodilos da avó todos malucos a abocanharem-se uns aos outros.
Nos últimos anos já tínhamos “mais música nova”, chegando a tocar “5 de seguida” ou “3 sem tirar” (ou seria 3 sem parar?), com melodias fatelas e parolas como o: Festa é festa manu-manu-mané, numa-numa-numané…
Mas como dizia quando comecei, nós gostávamos de passar de ano com a avó. Começávamos com uma musiquita e tal, corríamos o baile, bebíamos uns shots de tequilla, e outras bebidas leves, e por fim, lá vinha a taça de champanhe e obviamente as 12 passas para a consumação.
E a cada passa, o novo ano aproximava-se, quando chegávamos à 8ª já o víamos a acenar e na 12ª, o dito caía-nos em cima como uma bomba. E alguns estoiravam mesmo, e depois era ver as serpentinhas no ar (eram mesmo cobrinhas pintadas de várias cores e não aquelas foleirices de papel), buzinas a tocar, os rabos a estourar como foguetes, alarmes de carros e lojas a serem assaltados, etc.
O novo ano estava ali a entrar a toda a força pela madrugada dentro, em todo o seu esplendor, e embora ninguém conseguisse dizer o que trazia de novo, todos sentiam aquela ressaca monumental…
É como dizia a avozinha já no seu belo estado avançado de alcoolemia, antes de cair de cara no chão: ano novo é como um copo de vinho a martelo, de inicio custa a engolir, mas depois de uns tantos… que se lixe, venha o próximo…

Paulo

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Quem são os netos da avó?

Pernil do Neto Paulo

Paulo é o mais velho neto da avó, que tem 80 anos ou mais, a avó, claro. Ele tem… bem é mais novito… não que seja uma criança, apesar de nos seus desportos favoritos estarem incluídos mamar e fazer birras por tudo e por nada.
Correm rumores em sua casa (onde por vezes o reconhecem) que é virgem, embora o seu mês de nascimento ser lá para o final do ano. Tão no final que às vezes nem faz anos, porque já não há tempo…
A única coisa que criou na sua vida foram fungos, mais propriamente pé de atleta, mas em breve mesmo esses o abandonaram pois não suportavam a inércia…
O seu maior feito, se bem que não lhe pode ser atribuído, é ser neto da Avozinha. Para pagar tamanha honra (algo que nunca conseguirá) tenta perpetuar e espalhar os seus ensinamentos quase como um apóstolo, mas muito fraquiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinho…
Tirando isso, nunca fez nada de especial ou notável, excepto… nahh… não fez mesmo nada de jeito…
Resumindo, é um parvo e um imprestável…

Costela do Neto Jaime

Jaime, mais um pretendente à famosa herança da Avó. Não a monetária, pois essa não iria passar de uns míseros dobrões de ouro que estão para lá, deixados ao esquecimento em qualquer baú velho e carcomido, mas sim a de contador de histórias. Pode dizer-se que é o neto do meio, não pela idade, mas sim pela tendência de ficar sempre no meio da cama. Onde geralmente fica a Virtude, uma vizinha antiga.
Sempre gostou daquelas côdeas que a avó tanto guarda religiosamente no seu avental. Sempre dava para dividir entre os outros netos, e aproveitar os restos de vinho para uma última ceia.
Podemos dizer que servia muitas vezes de amparo à avó, quando esta brandia o seu cajado em forma de chamar a atenção. Nenhum feito especial, nada de extraordinário para um neto da avó. Simplesmente estava lá quando era preciso, o que raramente acontecia, e quando acontecia, era como quando o diabo esfrega o olho... devagariiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinho.
Resumindo, é um idiota e um trapalhão…

Rim do Neto Filipe

Filipe, o mais preguiçoso dos netos da avó…
É fácil distingui-lo de entre os netos todos da Avó. Tem umas certas parecenças com um antigo gato que ela tinha, quando éramos novos. Claro que o gato, Garefielly, não tinha ainda as unhas afiadas e há algo nele, talvez relacionado com a forma como a luz é refractada ao tocá-lo que acentua a semelhança, bem como o gosto pela sua sonecazinha.
Tão preguiçoso que se acha que ele não nasceu, e foi sim plantado. Talvez tenha mesmo sido fruto de uma experiência da avó, mas uma muito falhadiiiiiiiiiiiinha…
A única coisa para que serviu, foi de almofada quando a avozinha se precisava de sentar em algum lugar, talvez por isso, fosse o que estava sempre mais perto dela. Estava como todos os outros sempre lá para dar o seu apoio. A maior parte das vezes era contra vontade, mas não é fácil dizer não ao Cajado.
Resumindo é um dorminhoco e um lentinho…

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Natal Espirituoso

Como sempre se repete todos os anos, eis que chega a época de alegria e de mais umas descobertas macabras. A época Natalícia que é quando se mata o Bacalhau e se demolha o Peru. Nós, os netinhos, apresentamos para todos vocês o que era o Natal, nos tempos da avó.
- Queres começar Filipe?
- zzzzzzzzzzzzzZZZZZZZZZZZZZZZZZZZzzzzzzzzzz
- Bem, adormeceu, que tal começares tu Jaime?
- Vamos lá então antes que o Natal passe e nós sem história para contar. A avó tinha-nos sempre habituado ao seu já famoso peru recheado com os miúdos. Mas a verdade é que já não era a mesma coisa. Já não havia muitos miúdos pelo bairro. Desde aqueles dois pirralhos que resolveram cruzar-se na porta da avó, uns tais de Hanselmo e Grettela, que tem sido difícil encontrar um bom recheio. Mas se bem que graças às migalhas que os putos deixaram ela inventou o Bacalhau com Broa. Mas mesmo assim, a dita receita não deixou de ser um manjar dos deuses. Ainda por cima, a avó tinha uma maneira peculiar de fazer os seus cozinhados. Para não falar no seu caldeirão e a sua enorme colher de pau. Ela conseguia rechear o peru, como nunca vi até hoje. É certo que se o matasse primeiro seria bem mais fácil. Mas acredito que lhe tiraria o gozo todo ao seu desporto. Ainda me lembro, como se fosse ontem, daquelas grandes olheiras arregaladas de entusiasmo ao praticar tal ritual.
Depois era a hora da matança do bacalhau. Lá íamos nós para o tanquesito à sua procura. Não se devia tratar de um animal muito inteligente, era facilmente distinguível pela sua barbatana. Não devia ter muito sucesso no seu habitat. Fraco disfarce.
Mas lembras-te Paulo? A melhor parte era ver a avó pegar no seu bataran…, quero dizer, no seu batarpão e ZÁS… em cheio na tua perna, e como tu berravas:
- Aaahhh… fo#$%... dor… me&#$, … muita dor avó…, acho que vou desma…
- Está quieto ou só comes em sonhos. – Respondia ela. - Deixa a avó apanhar o peixe. Não se preocupem netinhos, é sempre preciso um bom chamariz para o bacalhau. E não há nada melhor que sangue fresquinho para o atrair!
Só me lembro dos teus olhos, Paulo, a revirarem-se todos e de ver-te cair para o lado. Tinhas sorte em cair para o lado certo, se não batidas com a cabeça no chão. Ao menos sempre caías na água, onde era mais mole. Uma coisa era certa, o método de caça era infalível. Dizia ela com o seu ar muito prazenteiro, a babar-se toda como um bebé, “Assim é que se apanham dois coelhos numa batarda só…”.
E lá íamos nós para a cozinha com a avó, depois de tão atribulada tarde. A fome já batia à porta. O Filipe ía ver sempre, e como tal levava uma castanhada, da avó, na cabeça. Tinha sorte, pois era o que tinha entretanto à mão. Se fosse um bocado mais tarde levava com o cutelo para aprender. “Ai…, menino mau comportado! Quem mandou abrir a porta? Ainda por cima traz uma corrente fria. Leva já a corrente para fora de casa. Não quero ver bricabraques desses à mesa.”
Devia ter saudades do Robim, pois de vez em quando andava com a corrente que o levava a passear.
- Mas lembras-te Jaime? A Pamela gostava muito era do bacalhau na pipa. Lá virava ela a pipa, enfiava o bacalhau e pronto, ficava toda contente até se lhe vinha um sorriso de contentamento, e era assim a época de Natal toda. O Filipe desde que provou o bacalhau da Pamela nunca mais quis outra coisa, dizia que o peru da avó nem perto lhe chegava, não era tão tenrinho, nem tão bom aspecto tinha. Dizia mesmo que o bacalhau da Pamela era mais suculento.
Mas no final toda a gente repartia e ficava satisfeita com o Perú da Avó e o Bacalhau da Pamela, mas se não chegasse, comia-se com o Tommy Lee, e havia quem gostasse, e até dissesse que o Tommy Lee tinha um sabor especial nessa época, embora o preferissem bem regado com azeite.
E por falar em Tommy Lee, lembro-me também das rabanadas da avó. Era cada uma… KAPOWWWW!
O Natal com a avó era sempre uma ocasião em que coisas fantásticas aconteciam. O Pai Natal descia pela chaminé e deixava prendinhas, embora na realidade não houvesse chaminé, e sim o tubo do ar condicionado, onde ele ficava entalado muitas vezes.
A avó contava muita vez, basicamente todos os Natais, que esta tradição começara quando o seu amigo Nicolau, que era muito rico, decidira pela primeira vez, ainda ela era menina e moça, estamos a falar mais ou menos do Século III, distribuir prendas. Tudo começou com as filhas do vizinho do lado, que ele sabia serem bastante necessitadas, e ele atento a esse facto, entrou-lhes pelas traseiras e deu-lhes.
Mais tarde decidiu distribuir por todas as pessoas da cidade. Para não ser reconhecido, disfarçava-se, vestindo-se de verde, e com grandes barbas, na altura ainda não tinha assinado com aquela empresa que vende coca com cola (vá-se lá saber porquê) e portanto ainda não vestia de vermelho.
Com a expansão do negócio, fez-se à rua pedindo ajuda à avó para puxar o seu trenó, disfarçada de veado. Fazia tanto frio que a avó ficou com o nariz tão vermelho que brilhava de tal forma que parecia quase uma lâmpada. Na altura os populares apelidaram-na de Rudolphius, não sei se era pelo bigode farfalhudo que ela usava, ou porque lá naquela terra significava aquele que brilha no escuro pois parece que tem uma lâmpada no nariz.
Como o Nicolau não tinha possibilidade de visitar todas as casas ia atirando as prendas pelas chaminés, o que no início não deu muito resultado pois queimavam todas, o que o obrigou a espreitar primeiro, até que um dia escorregou e só parou com o rabito nas brasas, deixou cair as prendas e saiu logo a voar por onde tinha vindo gritando: AU! AU! AU! O que muita gente pensou ser uma risada eram os gritos de dor do pobre coitado de rabo queimado. E com a evolução do folclore passou a ser conhecido pelo célebre HO! HO! HO! que ele mais tarde começou de facto a usar.
A avó entretanto teve que desistir dessas lides pois nessa altura do ano havia muito crime e alguém tinha que o combater. O Nico, lá teve que contratar veados a sério, que mais tarde descobriu serem renas, com um novo Rudolph a quem ele atarraxou uma lâmpada no nariz para passar pela avozinha e com sucesso, pois diziam mesmo que a fama só lhe fizera bem, estando agora bem mais bonito.
O Nicolau como sinal de agradecimento por tudo o que a avozinha fizera por ele ao longo dos anos, passava sempre em primeiro pela casa dela, e assim nós pudemos conhecê-lo em pessoa e receber os presentes que ele trazia em mão.
Outros que também apareciam por lá eram alguns fantasmas, mais propriamente o do passado, presente e futuro, mas não levavam nada, e como tal também não tinham direito ao manjar.
Para terminar, só faltava falarmos das canções tipo Dust in the Wind que a avó cantava sempre acompanhada da sua guitarra folk no colo, bem como outras canções típicas, tais como, Mr. Tambourine Man, e um clássico favorito que ela adorava que era o Starway to Heaven, que nós acompanhávamos palavra por palavra e tique por tique enquanto dávamos umas cachimbadas e víamos os elefantes cor-de-rosa e tartarugas ninja.
Era tudo mágico nessa altura, até quando a Pamela saltava do bolo, parecia ser sempre a primeira vez…
- Pois é Paulo, eram assim as nossas ceias à mesa do Natal. A avó acabava sempre com uns valentes arrotos e uns bons fogos de artifício, para festejar. Era o resultado da mistura das couves com o bacalhau. A avó chamava-lhe de Calhau. “Vamos lá então fumar um calhau…”, dizia ela mortinha por nos surpreender. E ficávamos mesmo sem palavras, tal a capacidade de retenção de ar rarefeito que avó conseguia libertar pela casa. Era de ficar com os cabelos no pé, tal a potência do calhau. Ao menos a lareira nunca se apagava. O mesmo não se podia dizer dos cortinados de casa. Ardiam como tochas cheias de gasolina. Que espectáculo! (suspiro de saudades).
- Por falar em espectáculo, lembras-te de quando o Berto pegou fogo à Árvore de Natal?
- Então não me lembro? Fez birra que não queria o Bacalhau, mas foi daí que veio a ideia de iluminar as árvores com luzinhas. Ah bons tempos…
- Pois, quando se usavam as peúgas e as cuecas com os selos como enfeites, não eram Filipe? Filipe?!?
- zzzzzzzzzzzzZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZzzzz (assobio), RRRONC…
- Parece que continua na sorna…
- Deixa lá Jaime, com certeza está a sonhar com esses tempos, e que belos Natais eram… Ai, Ai…, antes de chegarem os extra-terrestres e aumentarem os impostos e a gasolina, que belos tempos eram, já dizia a avozinha…