Velhos Tempos...
A avozinha era sem dúvida uma referência para nós, era um poço de sabedoria com imensos sapos e todo o tipo de lixo, mas que tratado até dava para aproveitar.
Com os seus relatos aprendíamos muito, se não fosse mais nada ao menos divertíamo-nos com seus jogos, como ver quem cuspia caroços de cerejas em decomposição para mais longe, e outras coisas assim.
- Ó vóooooo, estou cheio de fome! – Começou um dia o Jaime a berrar.
- Fome? Eu posso contar-vos o que é passar fome…
E assim, mais um dia de Inverno gelado à volta da fogueira e de janelas abertas, começa ela a contar-nos um pouco da sua vida no tempo da Grande Fome…
Nos tempos bicudos da minha infância, murmurava ela, todos tentávamos sobreviver (para nós, netos era um exercício mental visualizar a avó na sua infância).
Vivíamos na mesma barraca com os porcos (quando eles deixavam), dormíamos num colchão cheio de buracos, que pela falta de espaço também era o refúgio dos ratos, o que obrigava de noite a dormir com um olho aberto.
Certa vez, com a fome, desmaiei e acordei com uma orelha roída, os estupores tiveram um jantar melhor que o meu. Para me vingar, sempre que apanhava um roía-lhe também as orelhas, foram as minhas melhores refeições… Velhos tempos. Dizia ela de olhos revirados, babando e bocejando.
De dia levantava o colchão e encostava-o à parede, assim, aquele espaço entre ele e parede era onde eu me aliviava com umas folhinhas de figueira, e estava feito. Sim, meus netinhos, não havia jornal como agora…
Essa altura era de muita fome. Por causa da fome muita gente morria de hostioporóse, pois assaltavam as sacristias para comer as hóstias, e o padre era obrigado a envenená-las. Um dia esqueceu-se que o tinha feito, e morreu também durante a missa. Sem ele lá, o povo comeu até os bancos da igreja com o desespero…
Como as unhas das mãos crescem tão depressa, costumavam ser o nosso pequeno-almoço misturadas com a terra do dia anterior. Por vezes esperávamos encontrar esquilos e perseguíamo-los para apanhar as nozes que eles escondiam, ou na pior das hipóteses, as que deitavam fora por serem impróprias para consumo…
Nesses anos houve muitas mortes, morreu o Sr.Valdemar de colester-oil. Trabalhava numa oficina, o coitado, escorregou no óleo e caiu inanimado. Os colegas aproveitaram e cozinharam-no mesmo quando descobriram que ele não estava morto, foi só deitar-lhe sal em cima…
A Sra. Micas parece que foi coisa da Cândida Dias (acho que a comeu enquanto faziam crochet), mas essa nunca conheci, ah e o Sr. Ramiro que andava sempre de trombas e acabou por morrer de trombose, pensaram que ele era um elefante e mataram-no para lhe tirar o marfim. Claro que houve muitos outros pobres coitados que acabaram por sucumbir ás misérias daqueles tempos infernais.
As únicas alegrias dessa altura, eram as minhas bonecas (uma pedrita no meio de um pano) que me ajudavam a ultrapassar tempos difíceis, tipo quando os meninos queriam roubar-me as chiclas. O meu pai que trabalhava nas grandes cidades a fazer estradas, sempre que nos vinha visitar trazia muitas bonecas e chiclas, estas que não eram mais que bocados de alcatrão que ele conseguia surripiar…
Ah, que tempos… Dizia a avozinha bocejando e acomodando-se na sua poltrona de eleição que mantinha aprovisionada com restos de comida bolorenta e com larvas de moscas.
Velhos tempos… BonzzzzZZZZzz TempozzzzZZzzz, RRROOOONNNCCCCC…
Com os seus relatos aprendíamos muito, se não fosse mais nada ao menos divertíamo-nos com seus jogos, como ver quem cuspia caroços de cerejas em decomposição para mais longe, e outras coisas assim.
- Ó vóooooo, estou cheio de fome! – Começou um dia o Jaime a berrar.
- Fome? Eu posso contar-vos o que é passar fome…
E assim, mais um dia de Inverno gelado à volta da fogueira e de janelas abertas, começa ela a contar-nos um pouco da sua vida no tempo da Grande Fome…
Nos tempos bicudos da minha infância, murmurava ela, todos tentávamos sobreviver (para nós, netos era um exercício mental visualizar a avó na sua infância).
Vivíamos na mesma barraca com os porcos (quando eles deixavam), dormíamos num colchão cheio de buracos, que pela falta de espaço também era o refúgio dos ratos, o que obrigava de noite a dormir com um olho aberto.
Certa vez, com a fome, desmaiei e acordei com uma orelha roída, os estupores tiveram um jantar melhor que o meu. Para me vingar, sempre que apanhava um roía-lhe também as orelhas, foram as minhas melhores refeições… Velhos tempos. Dizia ela de olhos revirados, babando e bocejando.
De dia levantava o colchão e encostava-o à parede, assim, aquele espaço entre ele e parede era onde eu me aliviava com umas folhinhas de figueira, e estava feito. Sim, meus netinhos, não havia jornal como agora…
Essa altura era de muita fome. Por causa da fome muita gente morria de hostioporóse, pois assaltavam as sacristias para comer as hóstias, e o padre era obrigado a envenená-las. Um dia esqueceu-se que o tinha feito, e morreu também durante a missa. Sem ele lá, o povo comeu até os bancos da igreja com o desespero…
Como as unhas das mãos crescem tão depressa, costumavam ser o nosso pequeno-almoço misturadas com a terra do dia anterior. Por vezes esperávamos encontrar esquilos e perseguíamo-los para apanhar as nozes que eles escondiam, ou na pior das hipóteses, as que deitavam fora por serem impróprias para consumo…
Nesses anos houve muitas mortes, morreu o Sr.Valdemar de colester-oil. Trabalhava numa oficina, o coitado, escorregou no óleo e caiu inanimado. Os colegas aproveitaram e cozinharam-no mesmo quando descobriram que ele não estava morto, foi só deitar-lhe sal em cima…
A Sra. Micas parece que foi coisa da Cândida Dias (acho que a comeu enquanto faziam crochet), mas essa nunca conheci, ah e o Sr. Ramiro que andava sempre de trombas e acabou por morrer de trombose, pensaram que ele era um elefante e mataram-no para lhe tirar o marfim. Claro que houve muitos outros pobres coitados que acabaram por sucumbir ás misérias daqueles tempos infernais.
As únicas alegrias dessa altura, eram as minhas bonecas (uma pedrita no meio de um pano) que me ajudavam a ultrapassar tempos difíceis, tipo quando os meninos queriam roubar-me as chiclas. O meu pai que trabalhava nas grandes cidades a fazer estradas, sempre que nos vinha visitar trazia muitas bonecas e chiclas, estas que não eram mais que bocados de alcatrão que ele conseguia surripiar…
Ah, que tempos… Dizia a avozinha bocejando e acomodando-se na sua poltrona de eleição que mantinha aprovisionada com restos de comida bolorenta e com larvas de moscas.
Velhos tempos… BonzzzzZZZZzz TempozzzzZZzzz, RRROOOONNNCCCCC…
Filipe
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