domingo, janeiro 08, 2006

Janeiras

Estávamos em Janeiro, pouco depois do Natal. Parece que tínhamos conseguido sobreviver à festa dada pela avó, tirando o cheiro fétido que permanecia no ar, consequência da libertação do fogo de artifício, estávamos todos prontos para o dia seguinte.
A avó já nos falava deste ritual desde que éramos pequeninos. Lembro-me como se fosse hoje “Desde os meus tempos de infância, que vamos sempre cantar as janeiras de porta em porta. Sabem como é, depois do Natal é preciso juntar mais alguns troquitos para o próximo. E como é habitual as pessoas atiravam dinheiro mal nos ouviam a chegar às suas casas. Nunca percebi a razão de tal sucesso. Se bem me lembro acho que nunca cheguei a pronunciar nada parecido com uma nota de música. Devíamos ser mesmos bons, para as pessoas não nos quererem ouvir.”
Bem, já estávamos ansiosos pelo começo da aventura. A avó reuniu os seus quinhentos netos todos em filinha e começou-nos a marcar com números, para saber quantos éramos. Não doía muito, tirando quando o ferro estava quente. Se bem que depois da primeira marca, já não sentíamos nada. O estranho era que acordávamos todos babados e com os cabelos em pé. Enfim nada de mais.
Lá seguíamos pela rua fora a cantarolar, afastando assim o frio próprio da época “eu vou, eu vou, cantar as Janeiras vou, lá lá lá lá, lá lá lá lá, lá lá, lá lá…”. Sempre atrás da avó, seguindo a sua candeia como se fosse um farol.
- Oh meus netinhos, estou agora a recordar-me de uns dos meus momentos de meninice, bem já no passado, de um episódio que se passou.
“…há muito, muito tempo atrás, nesta mesma rua, apareceram uns homens estranhos, três ao todo, a distribuírem torrões por toda a gente. Nunca tal coisa havia sido vista, logo o sucesso deles era imediato. Eles apresentaram-se como sendo o Belechiorio, o Gasparófio e o Baletezarius. Falavam uma língua estranha, mas entre as cuspidelas lá consegui perceber qualquer coisa. Diziam que andavam à procura de um certo menino, mas que estavam à espera de um sinal vindo dos céus. Eu lá lhes disse qualquer coisa, agora não me lembro bem o que era, a memória já não é o que era, só me lembro de eles estarem sempre a repetir qualquer coisa como “Sí carinho…”. E afastaram-se tão misteriosamente quanto apareceram. Só que um dos homens enrolou-se num dos tapetes que levava ao ombro e acertou-me o passo. Eu já andava a mancar há alguns dias. Devido a tal súbita mudança de equilíbrio, começo a escorregar e vejo a candeia que levava a esvoaçar pelos céus, tipo estrela cadente. Fiquei foi mais perplexa ainda, foi ao ver os três homens a correrem como se houvesse saldos naquele famoso mercado da época, o Corte Espanhol que mais tarde seria comprado pelos Bretões, e seguirem a candeia, bradando aos céus “Venga, conho. Qui és el sinal que nos lhieva al menino!”.
É como vos diz a avozinha “quem da candeia vai atrás, cedo ou tarde encontra o rapaz.”

Jaime

Sem comentários: